A FORÇA DO HIATO ENTRE OS DIAS
(Resenha do livro “Apagando um cigarro atrás do outro”, de Clodie Vasli)
 
“Não há distância, apenas um crochê cujas linhas utilizadas são as mesmas que ligam computadores, seja qual for o continente.” (pág.16)
 
O primeiro aspecto que reparei ao segurar o livro de Clodie Vasli foi o capricho na edição, na beleza do livro, sua qualidade como objeto físico. Comprovei a excelência da editora Confraria do Vento.
 
Não é raro, quando leio um autor brasileiro radicado no exterior, como é o caso de Clodie, constatar o cheiro da melancolia que vem do exílio, voluntário ou não, é semelhante a intuir o cheiro de terra molhada que vem com a chuva. Às vezes, alguns desses autores chegam cobertos pelo orvalho noturno da nostalgia. Em Apagando um cigarro atrás do outro, o autor conseguiu pairar acima do sentimento nostálgico, mas não conteve a transpiração de um pulsar melancólico que ele liberta para contornar o lugar comum e servir como condutor da avassaladora força rítmica que há em seu trabalho.
 
Todos os contos do pequeno volume são como um jogo de quebra-cabeça, peças espalhadas aleatoriamente na mesa, encaixá-las é buscar o sentido de tudo. Histórias que trazem, de forma implícita e explícita, fotografias do imenso oceano de solidão povoado por minúsculas ilhas que se pensam autossuficientes: o homem.
 
“Não é melancolia, solidão ou aquela dor que nunca passa. É como uma falta.” (pág.27).
 
Resumir numa resenha a façanha literária de Clodie Vali é omitir aquilo que só pode ser testemunhado no ato de ler, a altíssima voltagem da carga poética que conduz e faz a ligação entre as páginas.
 
“Poesia (que voa sobre os para-raios, todos das pontes, construções e casas), onde estão minhas asas?” (pág.23)
 
Há uma potência musical tão extrema em breves frases que, por várias vezes, precisei comprovar se eu não lia um livro de poesia em vez de prosa. Em A mão que abençoa, um dos contos que me capturou, Clodie revela o seu absoluto domínio quando nos empurra para dentro do fluxo emotivo de sua narrativa, nos despertando involuntários espasmos de fragilidade que ecoam a nossa esquecida condição humana.
 
“Passe o tempo que passar, o filho é barco, mas o pai é sempre mar. (pág.127)
 
Clodie Vasli possui a capacidade impressionante e invulgar de encharcar a prosa de poesia, fazendo disso a virtude mais intensa de sua literatura. É inevitável nos comovermos em diversas passagens.
 
“Na amizade se vive o grande mistério de ajudar na descoberta do que o outro é e nem sabia ser.” (pág. 135)
 
Esta resenha vem com o atraso que confessa o tamanho da minha incompetência em dedicar meu tempo e trabalho ao que vale a expressão de viver.
 
Sim, Clodie:  de maneira mágica e silenciosa, o que nos conecta é a solidão das teclas erguendo palavras, frases, parágrafos e laudas. O que nos conecta são os olhos alheios percorrendo o mundo que construímos e que somente a boa-fé da leitura faz com que se tornem habitáveis.
 
Alexandre Coslei
Enviado por Alexandre Coslei em 01/12/2017
Reeditado em 01/12/2017
Código do texto: T6186812
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