* A ALMA ENCARCERADA
“O mais triste de um passarinho engaiolado é que ele se sente bem...”
(Mário Quintana)
Ao mergulhar os olhos na primeira página do livro Eu queria que você soubesse, de Marcos Kirst, caímos num túnel de onde só nos libertaremos chegando ao último capítulo. Na abertura da trama, a descrição minuciosa da Serra Catarinense, pincelada por sombras góticas, nos coloca diante de um crime. Não é preciso muito mais para intuirmos que estamos diante do trabalho de um escritor que conhece seu ofício. Por diversos capítulos, nos deparamos com cenários construídos pela firme competência de um arquiteto da palavra, cenários que são cruciais na charmosa sedução contida no romance.
“O ódio nunca é gratuito, ninguém terceiriza. É um sentimento humano inegociável.” (pág.11)
O enredo atravessa a nossa longa ditadura, passando pelos anos de chumbo, até desembarcar nos dias atuais. Kirst consegue a façanha de conectar o passado nebuloso do país ao Brasil renascido na democracia. Para isso, usa como narrador um personagem aprisionado à alienação dos seus mesquinhos dramas pessoais. O que nos soa fácil na leitura não é tarefa para amadores. O ressentimento, o ciúme movido por uma paixão platônica, a inveja, cada palavra funciona como incubadora da tensão humana e do cárcere emocional a que o protagonista se submete. Não, não é um romance psicológico ou existencialista, é um suspense e a ação não é gratuita, é encadeada pelo voyeurismo doentio da narrativa em primeira pessoa.
A história, por se concentrar em poucos personagens, potencializa a força da ideia e nos faz cúmplices de um sentimento de imprevisibilidade que o narrador nos provoca. E quem é o narrador? Um contador frustrado com os descaminhos da sua vida e que não parece muito interessado em se encontrar. Sua âncora é o obsessivo amor por Carmem, uma mulher casada que descambou para o adultério com Vicente, o catalizador do seu ódio.
“Traidores vivem ao nosso lado, à espreita, exploram nossa credulidade, nossa falta de atenção.” (pág.49)
Nestes tempos de fragilidade da nossa literatura, em que best-sellers estrangeiros dominam as gôndolas de publicidade das grandes livrarias, em que jovens escritores procuram mais os holofotes do que a arte, onde os temas se curvam à preferência do mercado, eu precisava escrever esta resenha. Marcos Kirst criou aquilo que posso chamar, sem pudor, de obra-prima. Isso eu queria que você soubesse.
Título: Eu queria que você soubesse. (Romance / 2015)
Autor: Marcos Kirst.
SMS Editora Ltda.
“O mais triste de um passarinho engaiolado é que ele se sente bem...”
(Mário Quintana)
Ao mergulhar os olhos na primeira página do livro Eu queria que você soubesse, de Marcos Kirst, caímos num túnel de onde só nos libertaremos chegando ao último capítulo. Na abertura da trama, a descrição minuciosa da Serra Catarinense, pincelada por sombras góticas, nos coloca diante de um crime. Não é preciso muito mais para intuirmos que estamos diante do trabalho de um escritor que conhece seu ofício. Por diversos capítulos, nos deparamos com cenários construídos pela firme competência de um arquiteto da palavra, cenários que são cruciais na charmosa sedução contida no romance.
“O ódio nunca é gratuito, ninguém terceiriza. É um sentimento humano inegociável.” (pág.11)
O enredo atravessa a nossa longa ditadura, passando pelos anos de chumbo, até desembarcar nos dias atuais. Kirst consegue a façanha de conectar o passado nebuloso do país ao Brasil renascido na democracia. Para isso, usa como narrador um personagem aprisionado à alienação dos seus mesquinhos dramas pessoais. O que nos soa fácil na leitura não é tarefa para amadores. O ressentimento, o ciúme movido por uma paixão platônica, a inveja, cada palavra funciona como incubadora da tensão humana e do cárcere emocional a que o protagonista se submete. Não, não é um romance psicológico ou existencialista, é um suspense e a ação não é gratuita, é encadeada pelo voyeurismo doentio da narrativa em primeira pessoa.
A história, por se concentrar em poucos personagens, potencializa a força da ideia e nos faz cúmplices de um sentimento de imprevisibilidade que o narrador nos provoca. E quem é o narrador? Um contador frustrado com os descaminhos da sua vida e que não parece muito interessado em se encontrar. Sua âncora é o obsessivo amor por Carmem, uma mulher casada que descambou para o adultério com Vicente, o catalizador do seu ódio.
“Traidores vivem ao nosso lado, à espreita, exploram nossa credulidade, nossa falta de atenção.” (pág.49)
Nestes tempos de fragilidade da nossa literatura, em que best-sellers estrangeiros dominam as gôndolas de publicidade das grandes livrarias, em que jovens escritores procuram mais os holofotes do que a arte, onde os temas se curvam à preferência do mercado, eu precisava escrever esta resenha. Marcos Kirst criou aquilo que posso chamar, sem pudor, de obra-prima. Isso eu queria que você soubesse.
Título: Eu queria que você soubesse. (Romance / 2015)
Autor: Marcos Kirst.
SMS Editora Ltda.