"NAQUELA MESA", de Sérgio Bittencourt

Sérgio Bittencourt, autor de “Naquela mesa”, era jornalista por profissão. Entretanto, com essa música entrou para o rol dos maiores compositores brasileiros. Em 13 de agosto de 1969, no dia do sepultamento do seu pai, o não menos famoso Jacob do Bandolim, um dos ícones da MPB, ele escreveu num guardanapo a letra da canção que o imortalizou. Ali o filho se curvava diante do pai morto e chorava a sua dor, prestando-lhe a última homenagem.

“Naquela mesa ele sentava sempre/e me dizia sempre o que é viver melhor/Naquela mesa ele contava histórias/que hoje na memória eu guardo e sei de cor”. Todo filho que cultua a memória do pai falecido, constrói no pensamento a imagem do chefe da família sentado à cabeceira da mesa no cotidiano de convivência com os filhos. A inspiração do compositor foi buscar na presença paterna “naquela mesa” a manifestação dolorosa da saudade e o sentimento triste da sua ausência a partir daquele momento. Liderando a reunião familiar, o pai procura transmitir aos filhos tudo o que aprendeu, transformando as histórias que conta em lições de vida. E ninguém apaga da memória as histórias que ouviu de seu pai.

“Naquela mesa ele juntava gente/e contava contente o que fez de manhã/e nos seus olhos era tanto brilho/que mais que seu filho/ eu fiquei seu fã”. A idolatria do filho pelo pai percebe brilho nos seus olhos quando ele fala. É a visão de herói concebida pelo filho. O embevecimento, a admiração, a veneração, que um pai produz no filho, quando ele se afirma uma pessoa decente que oferece o seu exemplo como “norte” para a sua descendência.

“Eu não sabia que doía tanto/uma mesa no canto, uma casa, um jardim/se eu soubesse o quanto dói a vida/essa dor tão doída não doía assim”. Potencializa o sofrimento da perda. Visualiza tudo o que faz lembrar a existência do pai que partia para a eternidade. Como fugir dessa dor tão dilacerante?

“Agora resta uma mesa na sala/e hoje ninguém fala mais no seu bandolim”. Aí Sérgio Bittencourt cometia um engano: o bandolim de Jacob nunca seria esquecido. Tornar-se-ia referência musical no Brasil desde então. Mas ele queria novamente enfatizar a falta da sonoridade do bandolim executada pelo famoso instrumentista que desaparecia do cenário musical brasileiro.

“Naquela mesa tá faltando ele/e a saudade dele tá doendo em mim”. Sei exatamente o que sentia Sérgio Bittencourt quando escreveu esses versos. Essa saudade também dói muito em mim. É uma dor imensa. “Naquela mesa” sempre sentiremos que falta a presença marcante de uma pessoa que nos fez trilhar os caminhos da vida. A saudade dói muito, com certeza, mas em contrapartida fica a memória de alguém em que nos espelhamos para enfrentar esses caminhos do existir.

• Do livro “CANÇÕES QUE FALAM POR NÓS”

Rui Leitão
Enviado por Rui Leitão em 06/11/2017
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