A noite escura da alma: definindo o conceito
 
A noite escura da alma é uma espécie de "crise espiritual", semelhante à depressão. Ao contrário disso, muitas vezes as noites sombrias da alma não estão relacionadas a um evento particular, mas a um "estado geral da mente" sobre a vida e o mundo. Os sintomas parecem ser também um pouco diferentes. Funcionamos normalmente no cotidiano com baixas de regime, mas a única maneira de sair é ficar quieto e esperar que isso passe (algumas horas, um dia...) e depois "ficar melhor".
 
Depois de um tempo nos acostumamos com as noites sombrias da alma. Não estamos em nossa forma top, mas tentamos estar e permanecer “light”. Há simplesmente, um mal estar, um mal de viver, uma sensação de não ser e não valer mais nada. Funcionamos no modo automático, mas dentro dele há um caos sem nome.
 
Pensamos que estamos fora do caminho, que tomamos um rumo errado e que nos desviamos de nós mesmos ou que nos desviamos do caminho espiritual. Aí vem a crença de que o caminho que trilhamos até agora era apenas uma ilusão e que a vida física/material é a única que existe.

Da luz à escuridão

As noites sombrias muitas vezes vêm depois de um despertar espontâneo. Algumas fontes falam do despertar da Kundalini¹. Mas como se "materializa" esse despertar? Em pouco tempo, aliás, bastante curto, sentimo-nos completamente em outro planeta, em estado de êxtase ou de felicidade incrível. É como se o ego fosse apenas uma vaga lembrança e que tudo se transformasse em luz e alegria.

Há diversas pessoas que já passaram por isso. Tudo é maravilhoso, vive-se numa fonte de alegria. Ri-se à toa e não se leva nada a sério. Continua-se feliz e a fazer as coisas que se tem que fazer como: ir para a escola sem se envolver muito com isso. Acha-se que não se tem nada mais para aprender, somente algum conhecimento escolar e as boas notas já bastam. Tudo parece insignificante com relação à vida (e isso acontece muito com pessoas muito inteligentes).

Então, bruscamente esse período termina. A pessoa não entende mais o que está acontecendo. Aí ela acha que fez algo errado. Pensa que não deveria ter tomado demasiada vantagem daqueles momentos, que deveria ter meditado, ter prestado mais atenção em si, nos outros, que tivera muito prazer naquele estado e que de certa forma, agora está sendo castigada por escalar tudo tão alto e tão rápido. Depois, acha que lhe deram um pedaço imenso do despertar e bruscamente lhe tiraram de volta porque ela não era digna de ser feliz.
 
Fica-se por algum tempo nesse período de noite negra. O problema nesse período é que não se é capaz de ver a "melhor imagem" (esta é a melhor tradução da "maior imagem" que encontrei), não se é mais capaz também de recuar.
 
O que se sente durante uma noite sombria? Que o passado e o futuro não existem.
 
É um momento em que se duvida de tudo o que se tem mais fé. Onde se diz que mergulhamos na turva busca espiritual. Que isso nos afasta da vida real, que mentimos para nós mesmos e que estamos sendo enganados. Chega-se a denegrir o caminho espiritual e perde-se o interesse por tudo (enquanto se inveja um pouco aqueles que encontraram verdadeiras respostas para isso).
 
Se alguma vez dissermos que vamos nos recuperar, os mecanismos não funcionam como funcionaram na época. A Meditação não se sabe o que é e a gente não consegue mais se concentrar. A oração é difícil de segurar, não se acredita nem mesmo no que dizemos e espera-se que isso passe mais ou menos com alguma forma de cinismo.

Quer-se fugir desse período de dúvida que é tão semelhante aos sentimentos da depressão. Quer-se voltar àquele momento em que estávamos naquela felicidade sem nome, passamos o tempo todo a nos perguntar: "por que acabou? Por que não posso mais ser feliz?”.

Perdem-se todas as conexões para o eu superior, para o Divino, para os guias... Não podemos mais nos comunicar com qualquer entidade ou parte de nós que realmente nos conecte a Fonte e ao Universo. Mesmo nossa alma parece ter nos abandonado como abandonamos um sapato velho porque encontramos coisas melhores para fazer do que cuidar de nós, que não nos sentimos mais dignos de interesse.

Então, só nos resta o ego. O ego torna-se o todo-poderoso. Nossa mente nos transforma constantemente, é como se tivéssemos enlouquecido.

Falta-nos amor... Falta amor para nós e para todo o resto. Acabamos odiando todos aqueles que nos impedem ou impediram de ser aquela luz pura que sentimos por um curto período de tempo.

Não achamos interesse em nada, mas fazemos as coisas de qualquer maneira. O ego é, portanto, o único mestre a bordo e este sente-se feliz por ser infeliz. Ele acha que tudo isso foi um engano e que estamos mais que seguros no mundo "real" para perseguir objetivos materialistas, como qualquer pessoa que se saiu melhor que nós, visto que essa pessoa não se fez nem a metade das perguntas que nos fazemos.

O ego é tudo o que resta da nossa identidade.


Nesse meio tempo, as outras leis cósmicas continuam a funcionar. A lei da atração, por exemplo, é executada corretamente, apesar de alguns murmúrios durante esse período, ainda se consegue mostrar coisas boas. E isso se torna quase um problema porque ninguém entende por que nos sentimos mal.

Vamos visitar um (a) amigo (a) e dizemos:

"-Eu não sei o que eu sinto, estou cansado (a) de tudo, eu me sinto mal e não sei por que, tudo é uma porcaria, tudo é inútil...".

E a pessoa lhe responde:

"-Mas por quê?" Você tem tudo para estar bem! Você tem um (a) namorado (a) legal, vive num lugar bonito, tem um trabalho que não esquenta a cabeça, tem um monte de novas atividades e leva uma “vida legal”!


Palavras em frases vãs, o certo é que não nos sentimos mais parte do planeta Terra, tudo parece nulo mesmo que, às vezes, tenhamos resposta apenas para fugir do trivial. Não sentimos mais nenhuma espiritualidade, pois esta sumiu. É como se fossemos uma terra sem dono, vivida simplesmente e observada por nosso ego pesado e amedrontado.

O que realmente acontece durante uma noite sombria da alma?
 
O ego ao mesmo tempo coloca-se diante dos nossos maiores medos: encontramo-nos em situações que não queríamos estar. Sentimos a dor aflita da alma vindo à superfície do corpo. E tem-se a sensação de que tudo o que havia acabado desperta na realidade com muito mais poder.

Confrontamo-nos com os medos remotos (que já se foram por um tempo muito longínquo): medo de ser manipulado (a) e que alguém se aproveite de você literalmente para absorver sua personalidade e lhe transformar num objeto, medo de ficar sozinho (a) e/ou abandonado (a) por todos, medo de encontrar-se em uma cidade desconhecida, longe de tudo e a se aborrecer, medo de ter a impressão de ter uma “vida desgraçada” (como se concebe, ou seja, viver a trabalhar simplesmente para se sustentar miseravelmente e pagar contas). Não vou detalhar tudo porque tudo surge abruptamente durante esse período.

Na verdade, o que realmente acontece é como dizem os anglo-saxões: uma espécie de "desintoxicação espiritual". Ao viver um primeiro momento do despertar da Kundalini, encontramo-nos bem fora do normal e distante, o que nos permite ter uma prévia pessoal do que pode ser a vida. Então, caímos a seguir nos caminhos estreitos da vida. Equilibramos uma nova energia nos desembaraçando das coisas enterradas há longo tempo.
 
Nesse momento em que nada faz sentido é onde nos tornamos uma espécie de louco em que a mente nos rouba toda a energia bastante conturbada. Há nisso tudo um verdadeiro trabalho que se faz. Tem-se a impressão de que se desertou do caminho espiritual quando na realidade estamos bem no meio dele. Estamos apenas limpando-o. E o objetivo final é a dissolução do ego.

O que fazer para isso?

Bem, nada. O ego não se importa muito com isso e não há muito que fazer. A gente não quer voltar à vida de antes mesmo que, às vezes, sejamos tentados, isso tem lá a sua confortabilidade e não é justamente possível de qualquer maneira, a gente não vai buscá-la porque acha que isso não fará a vida ficar melhor. Mas, no entanto, não se pode ficar imerso em algo completamente espiritual simplesmente porque não se acredita em nada e não se vive mais como se vivia antes.
 
Então, não há nada a fazer. Seria o cúmulo dizer que é preciso aceitar os seus limites: não se pode decidir a aceitar. Esse aceitar limites não se decide. O caminho é justo e bom. Leva tempo, entende-se gradualmente (entender não no bom senso) que a única coisa a fazer é se abandonar.

A Resistência é o que vai fazer que esse período seja mais ou menos longo. Vai-se resistir porque queremos voltar ao episódio precedente. Vai-se resistir porque não sabemos para onde estamos indo.  Vai-se resistir porque não se tem vontade de se confrontar com todos os nossos medos. Vai-se resistir porque a segurança do conhecido nos conforta mais que a questão do desconhecido. Vai-se resistir porque é doloroso ter vontade de ficar em casa a fixar as paredes e a se questionar coisas inexistenciais. Temos algo em nossa cabeça que nos diz que não é normal estar nessa energia dolorosa e decadente.

É nesse momento que aprendemos quase tudo sobre a compaixão, a humildade, o amor incondicional seu e dos outros. Eis as lições... Não se aprende isso pela força intelectual, mas pela experiência, porque não há nada a fazer senão aprender a lidar com isso.
 
Gradualmente, começa-se a sentir gratidão porque já se vê uma imagem maior, tudo começa a fazer sentido para se tornar finalmente um belo período. Começa-se a ver esse período "negro" como sendo algo de... Excepcional. Mesmo assim, sabe-se que se trata do ego espiritual (que é totalmente muito mais forte), porque este se sente tão feliz e aliviado ao ver que isso vai acabar em breve e que depois desse período vai poder se sentir bem melhor e ficar nesse estado: "Uau".

Algumas fontes dizem que as pessoas que vivem essas noites sombrias da alma estão finalmente preparando-se para viver o seu destino, muitas vezes ligadas à yoga e/ou a espiritualidade. Não se tem certeza. O ego espiritual quer acreditar nisso, mas o ego normal da noite escura não acredita mais no caminho e diz que só pode ser qualquer coisa e estar diante dessa coisa que se sabe muito pouco é preocupante.
 
Que tal ceder o lugar para o seu eu superior e ter uma identidade totalmente nova... Ao que isso parece? Ao não julgamento, a não avaliação ou a paz interior?
 
A meu ver, a noite escura da alma é um passo importante e interessante, difícil e bela por sua vez. Só temos que aprender a nos amar incondicionalmente e ter "fé" para colocar isso nas mãos do universo. Boa sorte para você se você passar por lá! (e se não for esse o caso, não é um passo obrigatório, muitos evoluem sem passar por lá).
 
Beijos do brilho do meu amor você.
 
Aldenora Bicetre. Em 18/07/2017. http://www.aronedla.prosaeverso.net/
 
 
 

1- Kundaliní (em sânscrito: Kundaliní) é fenômeno bioelétrico, dito ser uma corrente elétrica que fica concentrada na base da coluna; O termo é feminino, deve ser sempre acentuado e com pronúncia longa no í final. Muitos por a considerarem sagrada, grafam  o nome com "K" maiúsculo. O símbolo do caduceu é considerado como uma antiga representação simbólica da fisiologia da Kundalini. É entendida como um poder espiritual adormecido no osso sacro (cócix) que só pode ser despertado por uma alma realizada de alto nível. É a energia que transita entre os chakras que são centros de energia no corpo físico. Deriva de uma palavra em sânscrito que significa, literalmente, "enrolada como uma cobra" ou "aquela que tem a forma de uma serpente". É a energia do Universo ou chi ou Prana em seu aspecto Purna-Shakti, total, como potencial, sendo o Prana-Shakti o aspecto biológico, ou fisico, etc. É também tema de estudo no campo da psicologia onde a reputam de difícil condução com a disciplina e maturidade que são requeridas para esse intento.
 
Aronedla
Enviado por Aronedla em 27/10/2017
Código do texto: T6154604
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