Re (Conhecimento) da Galícia: Chão Galego, de Renard Perez
Re (Conhecimento) da Galícia: Chão Galego, de Renard Perez
1. Breve esclarecimento sobre o início do livro
Antes de pontuar os capítulos que se referem aos lugares pelos quais passou durante a viagem, Perez mostra ao leitor como a Galícia é tão importante e quão valioso seria se ele pudesse conhecê-la.
Um dia conhecerei essa terra. Meu pai prometeu, ouvi-o falar à
mesa, uma noite, solenemente: Iremos todos – ele, mamãe, meus
três irmãos. Não agora, infelizmente, agora há guerra ali, a Guerra
Civil. (...)
Mas um dia a guerra acabará e conhecerei esta terra. (...)
(PEREZ, 2007, p. 17-18)
Ao fazer seus deveres, ainda criança, depara-se com um grande mapa sobre a escrivaninha de seu pai. E, ao passar os dedos sobre aquela representação geográfica, chega à região da Galícia. Percorre um pouco mais e desembarca em Ourense, onde nascera o pai.
Enquanto a viagem não vem, imagino coisas. Leio livros de
aventuras. E rabisco contos – que se passam em Málaga, em Vigo,
em Porto – em torno daquele ponto que meu dedo persegue. E vejo
no dicionário ilustrado, desenhos de castelos de Espanha. E o
desejo de vê-los, o desejo aflitivo de conhecer a Espanha. E,
sobretudo, de que esta guerra termine, para que a viagem se realize.
(PEREZ, 2007, p. 18)
A promessa do pai em fazê-lo conhecer essa terra, impulsiona-o a dividir com o leitor as emoções recorrentes em toda a narrativa através de suas memórias. É uma viagem onde se mesclam passado e presente, e como ele mesmo diz “dentro já daquela área alaranjada de meu mapa de infância”. (pág. 18)
A propósito da obra
Chão Galego é, por assim dizer, uma viagem que não só nos remete a refletir sobre o conhecimento da terra do pai do protagonista, mas também o reconhecimento que se firmará no momento em que o narrador se depara com todas as recordações das descrições que o pai fazia: as tias Pepa e Áurea, os primos Aurélio e Raquel, esta, sua primeira companheira, nos tempos de infância quando viera passar uma temporada no Brasil.
Nesta viagem de regresso à Galícia e ao passado, Perez intenta desvelar essa figura enigmática que é a de seu pai. E, ao deparar-se com esse pai conhecida e reconhecida em suas lembranças, o autor julga encontrar a fonte de sua vocação literária, ao mesmo tempo em que se reconcilia - postumamente – com ele, com quem tinha muitas diferenças.
O tema deste trabalho Re (conhecimento) de Galícia é, pois, um estudo que tem o intuito de mostrar ao leitor que Perez, ao viajar a essa região, não só a conheceu como também a reconheceu por meio das inesquecíveis palavras do pai ao tratar da terra natal.
Por isso, ele convida o leitor a mergulhar nesse labirinto de recordações, extrapolando as suas e as nossas emoções. Porque a Galícia aparece de uma forma bem peculiar: em gestos, cores e sons, do jeito que ele tanto sonhava.
3- Dos capítulos
A palavra memória nos remete a uma viagem ao passado na qual são depositadas as nossas recordações. Perez apresenta ao leitor as estações dessa viagem nos capítulos do livro: Vigo, Pontevedra, Ourense, as casas dos primos Aurélio e Raquel, Madri e a casa do primo Jayme, cujo nome é o mesmo de seu pai. Cada um é um espaço de lembranças paternas que o alegra.
O último capítulo carrega algumas passagens emocionantes para o leitor. Jayme sente vontade de conhecer o Brasil – a terra do seu tio-avô Jaime, “e salienta, ser esse, um dos grandes sonhos que tem.” (Op. Cit. p. 122)
Perez reconhece que esse desejo foi construído da mesma maneira que o seu: o de vir à Espanha. Eles buscam a mesma pessoa, em momentos diferentes de suas vidas, e por motivos “quase opostos.” (Op. Cit. p. 123). Jayme tem a imagem de seu tio “a fase de esplendor”, e para Perez, “seu início obscuro.”
E, num verdadeiro conhecimento e reconhecimento da figura paterna, Perez termina sua viagem com a seguinte afirmação:
Não esqueço aquela adolescência. Não sei, se ele estivesse vivo, se
nos entenderíamos melhor agora. Mas isto já não vem ao caso. O
que importa, porém, é reconhecer que foi sua atitude que moldou o
homem que eu sou, é verificar que foi justamente o terror que me
causava que motivou o encontro com minha vocação. Foi ele
próprio, com seu ar ditatorial, quem, fazendo-me refugiar em mim
mesmo e nas leituras, concorreu para levar-me ao caminho
literário. Que não era, positivamente, aquele que imaginava para
mim. De qualquer modo, isto lhe fico a dever. E não deixa também
de haver certa ironia em reconhecer que seria ainda aquele ódio,
aquela dor que sua autoridade fez germinar em mim – motivando
essa compensação literária – que me levaria a vir procurá-lo, a
tentar descobri-lo e, nesta descoberta, e através destas páginas –
como que redimi-lo.
Ele me deu e formou este eu que sou, e deu-me ainda – agora o sei
conscientemente – este amor à Espanha, com cujo espírito me senti
tão identificado. E recebo como homenagem este carinho que, em
sua homenagem, me deram aqui. Tudo o que sou é anda a ele que
devo e, por ele, o mereço.
(Op. Cit. p. 124-125)
Nesse momento, a viagem da infância termina. Aquela tão sonhada, quando o dedo corria sobre o mapa da escrivaninha do pai. Uma outra viagem recomeça: não a de conhecer ou reconhecer o pai em sua terra natal, mas a de escrever sobre a viagem de sua vida.