Jesus e a pomba de Stalin
Eis alguns trechos extraídos de uma das obras literárias do, senão o maior, um dos maiores filósofos brasileiros - Olavo de Carvalho.
Chamo a atenção, para aquilo que o próprio autor reiteradamente ressalta em seus debates e paletras, de nunca tentarmos intrepretar um pensamento e/ou contexto de uma obra, a partir de informações resumidas e/ou superficiais. É preciso vencer a preguiça e a ânsia de querer opinar sobre algo, sem se aprofundar e esgotar a busca pelo conhecimento sobre as informações existentes.
Eis alguns trechos extraídos de uma das obras literárias do, senão o maior, um dos maiores filósofos brasileiros - Olavo de Carvalho.
Chamo a atenção, para aquilo que o próprio autor reiteradamente ressalta em seus debates e paletras, de nunca tentarmos intrepretar um pensamento e/ou contexto de uma obra, a partir de informações resumidas e/ou superficiais. É preciso vencer a preguiça e a ânsia de querer opinar sobre algo, sem se aprofundar e esgotar a busca pelo conhecimento sobre as informações existentes.
Este artigo foi publicado no Jornal O Globo, em 20 de outubro de 2001
Quando Cristo disse: "Na verdade amais o que deveríeis odiar, e odiais o que deveríeis amar", ensinou de maneira mais explícita que os sentimentos não são guias confiáveis da conduta humana. Antes de podermos usá-los como indicadores do certo e do errado, temos que lhe ensinar o que é certo e o que é errado. Os sentimentos só valem quando subordinados à razão e ao espírito.
Razão não é só pensamento lógico: reduzi-la a isso é uma idolatria dos meios acima dos fins, que termina num fetichismo macabro. Razão é o senso de unidade do real, que se traduz na busca da coesão entre experiência e memória, percepções e pensamentos, atos e palavras etc. (Grifos nosso)
[...]
Espírito é aquilo que inspira a razão a buscar a chave da unidade da visão do mundo no supremo bem de todas as coisas, e não num detalhe acidental qualquer, (Grifos nosso)
[...]
O espírito é o topo do edifício da razão, que por ele se abre para o sentido do Bem infinito, libertando-se da tentação de enrijecer-se num fetichismo trágico ou utópico. (Grifos nosso)
Nem a razão nem o espírito se impõem. Só nos abrimos a eles por livre vontade. A abertura para a razão vem essencialmente da caridade, do amor ao próximo, pelo qual o homem renuncia a impor seu desejo e aceita submeter-se ao diálogo, à prova, ao senso das proporções e, em suma, ao primado da realidade. A abertura para a razão é educação. Educação vem de ex ducere, que significa levar para fora. Pela educação a alma se liberta da prisão subjetiva, do egocentrismo cognitivo próprio da infância, e se abre para a grandeza e a complexidade do real. A meta da educação é a conquista da maturidade. O homem maduro - o spodaios de que fala Aristóteles é aquele que tornou sua alma dócil à razão, fazendo da aceitação da realidade o seu estado de ânimo habitual e capacitando-se, por esse meio, a orientar sua comunidade para o bem. (pág. 355 - 356)
[...]
A abertura ao espírito é um ato de confiança prévia no bem supremo da existência, ato sem o qual a razão perde o impulso ascendente que a anima e, fugindo do infinito, se aprisiona em alguma pseudototalidade, mais alienante ainda que o egoísmo subjetivo inicial. O nome religioso desse ato de confiança é fé, mas a confiança que eleva a razão à busca do infinito transcende o sentido da mera adesão a um credo em particular e tem antes uma dimensão antropológica: tudo o que o ser humano fez de bom, fez movido pela fé e por meio da razão. (pág. 356) (Grifos nosso)
[...]
Homens submetidos à mais dura opressão e aos mais tormentosos sofrimentos conservam sua esperança, enquanto outros a perdem à primeira frustração de um desejo tolo. A esperança não está sob o nosso controle. Seu advento depende do espírito mesmo, que sopra onde quer. Todos os enredos humanos, da vida e da ficção, giram em torno do mistério da esperança.
A esperança, a fé e a caridade educam os sentimentos para o amor ao que deve ser amado. O culto idolátrico dos sentimentos é um egocentrismo cognitivo, um complexo de Peter Pan que recusa a maturidade. Quanto mais o homem busca afirmar sua liberdade por meio da adesão cega a seus sentimentos e desejos, mais se torna escravo da tagarelice ambiente.
O caminho da liberdade é para cima, não para baixo. Libertar-se não é afirmar-se: é transcender-se. (Grifos nosso)
Das várias formas de escravidão a que o homem se sujeita pelo culto dos sentimentos, a pior é a escravidão às palavras. Por meio do falatório em torno o homem pode ser adestrado para ter certos sentimentos e emoções à simples audição de certas palavras, independentemente dos fatos e do contexto. Paz e guerra, por exemplo, suscitam reações automáticas.
Por isso as massas imaturas aceitam com a maior credulidade os novos regimes de governo que prometem acabar com as guerras e instaurar a paz. Mas é só nominalmente que a guerra significa morticínio e paz significa tranquilidade e segurança. As guerras, no século XX, mataram 70 milhões de pessoas. É muita gente. Mas 180 milhões, mais que o dobro disso, foram mortos por seus próprios governos, em tempo de paz e em nome da paz. O homem maduro sabe que as relações entre guerra e paz são ambíguas, que só um exame criterioso da situação concreta permite discenir a dosagem do bem e do mal misturados em cada uma delas a cada momento. Ele sabe que a "pomba da paz", oferecida à adoração infantil nas escolas, foi um desenho encomendado a Pablo Picasso por Josef Stalin com o intuito de fazer com que o símbolo da Pax soviética - a ordem solcial totalitária construída sobre trabalho escravo, prisões em massa e genocídio - se sobrepusesse, na imaginação dos povos, ao símbolo cristão do Espírito Santo. O homem maduro sabe que, tanto quanto a "pomba da paz", também manifestos pela paz, discursos pela paz e até missas pela paz são, muitas vezes, blasfêmias e arma de guerra. (pág. 356 - 357) (Grifos nosso)
[...]
Até a esperança, chave da fé e da caridade, se torna aí uma arma contra o espírito, quando se coisifica na expectativa de um mundo melhor, de uma sociedade mais justa ou, no fim das contas, de ganhar mais dinheiro. Jesus deixou claro que não era nenhuma dessas esperanças a que trazia. Era a esperança de fazer de cada um de nós um novo Cristo, encarnação e testemunha do espírito. Quem aceitar menos que isso só ganhará, em vez de Cristo, uma bandeirinha da ONU com a pomba de Stalin. (pág. 357) (Grifos nosso)
Razão não é só pensamento lógico: reduzi-la a isso é uma idolatria dos meios acima dos fins, que termina num fetichismo macabro. Razão é o senso de unidade do real, que se traduz na busca da coesão entre experiência e memória, percepções e pensamentos, atos e palavras etc. (Grifos nosso)
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Espírito é aquilo que inspira a razão a buscar a chave da unidade da visão do mundo no supremo bem de todas as coisas, e não num detalhe acidental qualquer, (Grifos nosso)
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O espírito é o topo do edifício da razão, que por ele se abre para o sentido do Bem infinito, libertando-se da tentação de enrijecer-se num fetichismo trágico ou utópico. (Grifos nosso)
Nem a razão nem o espírito se impõem. Só nos abrimos a eles por livre vontade. A abertura para a razão vem essencialmente da caridade, do amor ao próximo, pelo qual o homem renuncia a impor seu desejo e aceita submeter-se ao diálogo, à prova, ao senso das proporções e, em suma, ao primado da realidade. A abertura para a razão é educação. Educação vem de ex ducere, que significa levar para fora. Pela educação a alma se liberta da prisão subjetiva, do egocentrismo cognitivo próprio da infância, e se abre para a grandeza e a complexidade do real. A meta da educação é a conquista da maturidade. O homem maduro - o spodaios de que fala Aristóteles é aquele que tornou sua alma dócil à razão, fazendo da aceitação da realidade o seu estado de ânimo habitual e capacitando-se, por esse meio, a orientar sua comunidade para o bem. (pág. 355 - 356)
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A abertura ao espírito é um ato de confiança prévia no bem supremo da existência, ato sem o qual a razão perde o impulso ascendente que a anima e, fugindo do infinito, se aprisiona em alguma pseudototalidade, mais alienante ainda que o egoísmo subjetivo inicial. O nome religioso desse ato de confiança é fé, mas a confiança que eleva a razão à busca do infinito transcende o sentido da mera adesão a um credo em particular e tem antes uma dimensão antropológica: tudo o que o ser humano fez de bom, fez movido pela fé e por meio da razão. (pág. 356) (Grifos nosso)
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Homens submetidos à mais dura opressão e aos mais tormentosos sofrimentos conservam sua esperança, enquanto outros a perdem à primeira frustração de um desejo tolo. A esperança não está sob o nosso controle. Seu advento depende do espírito mesmo, que sopra onde quer. Todos os enredos humanos, da vida e da ficção, giram em torno do mistério da esperança.
A esperança, a fé e a caridade educam os sentimentos para o amor ao que deve ser amado. O culto idolátrico dos sentimentos é um egocentrismo cognitivo, um complexo de Peter Pan que recusa a maturidade. Quanto mais o homem busca afirmar sua liberdade por meio da adesão cega a seus sentimentos e desejos, mais se torna escravo da tagarelice ambiente.
O caminho da liberdade é para cima, não para baixo. Libertar-se não é afirmar-se: é transcender-se. (Grifos nosso)
Das várias formas de escravidão a que o homem se sujeita pelo culto dos sentimentos, a pior é a escravidão às palavras. Por meio do falatório em torno o homem pode ser adestrado para ter certos sentimentos e emoções à simples audição de certas palavras, independentemente dos fatos e do contexto. Paz e guerra, por exemplo, suscitam reações automáticas.
Por isso as massas imaturas aceitam com a maior credulidade os novos regimes de governo que prometem acabar com as guerras e instaurar a paz. Mas é só nominalmente que a guerra significa morticínio e paz significa tranquilidade e segurança. As guerras, no século XX, mataram 70 milhões de pessoas. É muita gente. Mas 180 milhões, mais que o dobro disso, foram mortos por seus próprios governos, em tempo de paz e em nome da paz. O homem maduro sabe que as relações entre guerra e paz são ambíguas, que só um exame criterioso da situação concreta permite discenir a dosagem do bem e do mal misturados em cada uma delas a cada momento. Ele sabe que a "pomba da paz", oferecida à adoração infantil nas escolas, foi um desenho encomendado a Pablo Picasso por Josef Stalin com o intuito de fazer com que o símbolo da Pax soviética - a ordem solcial totalitária construída sobre trabalho escravo, prisões em massa e genocídio - se sobrepusesse, na imaginação dos povos, ao símbolo cristão do Espírito Santo. O homem maduro sabe que, tanto quanto a "pomba da paz", também manifestos pela paz, discursos pela paz e até missas pela paz são, muitas vezes, blasfêmias e arma de guerra. (pág. 356 - 357) (Grifos nosso)
[...]
Até a esperança, chave da fé e da caridade, se torna aí uma arma contra o espírito, quando se coisifica na expectativa de um mundo melhor, de uma sociedade mais justa ou, no fim das contas, de ganhar mais dinheiro. Jesus deixou claro que não era nenhuma dessas esperanças a que trazia. Era a esperança de fazer de cada um de nós um novo Cristo, encarnação e testemunha do espírito. Quem aceitar menos que isso só ganhará, em vez de Cristo, uma bandeirinha da ONU com a pomba de Stalin. (pág. 357) (Grifos nosso)
DICIONÁRIO:
Ambíguo - Que contém ou pode conter múltiplos sentidos.
fetichismo - Ação de venerar algo ou alguém; admiração mórbida; veneração.
Morticínio - Número expressivo de mortes.
Suscitar - Ser o motivo do surgimento de algo.
Ambíguo - Que contém ou pode conter múltiplos sentidos.
fetichismo - Ação de venerar algo ou alguém; admiração mórbida; veneração.
Morticínio - Número expressivo de mortes.
Suscitar - Ser o motivo do surgimento de algo.
Espírito, razão e fé - este texto discorre sobre cada um deles individualmente, a relação entre eles, bem como as causas e o efeitos desta relação. Grifamos as partes que entendemos merecerem atenção ainda maior, dada a importância das informações que busca transmitir.
Fonte: CARVALHO, Olavo de. O mínimo que você precisa saber para não ser um idiota. 8ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2014.