Espírito e cultura: o Brasil ante o sentido da vida - Parte I
Eis alguns trechos extraídos de uma das obras literárias do, senão o maior, um dos maiores filósofos brasileiros - Olavo de Carvalho.
Chamo a atenção, para aquilo que o próprio autor reiteradamente ressalta em seus debates e paletras, de nunca tentarmos intrepretar um pensamento e/ou contexto de uma obra, a partir de informações resumidas e/ou superficiais. É preciso vencer a preguiça e a ânsia de querer opinar sobre algo, sem se aprofundar e esgotar a busca pelo conhecimento sobre as informações existentes.
Eis alguns trechos extraídos de uma das obras literárias do, senão o maior, um dos maiores filósofos brasileiros - Olavo de Carvalho.
Chamo a atenção, para aquilo que o próprio autor reiteradamente ressalta em seus debates e paletras, de nunca tentarmos intrepretar um pensamento e/ou contexto de uma obra, a partir de informações resumidas e/ou superficiais. É preciso vencer a preguiça e a ânsia de querer opinar sobre algo, sem se aprofundar e esgotar a busca pelo conhecimento sobre as informações existentes.
Este artigo foi publicado no site: Olavodecarvalho.org, em 31 de dezembro de 1999
Por vezes, do fundo obscuro da alma humana, soterrada de paixões e terrores, nasce um impulso de libertar-se da densa confusão dos tempos e erguer-se até um ponto onde seja possível enxergar, por cima do caos e das tormentas, dos prazeres e das dores, um pouco da harmonia cósmica ou mesmo, para além dela, um fragmento de luz da secreta ordem transcendente que - talvez - governa todas as coisas.
É o impulso mais alto e mais nobre da alma humana. É dele que nascem as descobertas da sabedoria e das ciências, a possibilidade mesma da vida organizada em sociedade, a ordem, as leis, a religião, a moralidade, e mesmo, por refração, as criações da arte e da técnica que tornam a existência terrestre menos sofrida.
Nenhum outro desejo humano, por mais legítimo, pode disputar-lhe a primazia, pois é dele que todos adquirem a quota de nobreza que possam ter, residindo mesmo aí o critério último da diferença entre o humano e o sub-humano (ou anti-humano) e, por conseguinte, para além de toda controvérsia vã, a chave da distinção entre o bem e o mal. É bom o que nos eleva à consciência da ordem e do sentido supremos, é mau o que dela nos afasta. Não tem outro significado o Primeiro Mandamento: "Amar a Deus sobre todas as coisas."
Acontece que a esse impulso fundamental corresponde um outro, derivado mas não menos forte: aquele que leva o homem que entreviu a ordem e o sentido a desejar repartir com os outros homens um pouco daquilo que viu. Não há certamente maior benefício que se possa fazer a um semelhante: mostrar-lhe o caminho do espírito e da liberdade, pelo qual ele pode se elevar a uma condição que, dizia o salmista, é apenas um pouco inferior à dos anjos. Tal é, substanciamente, a forma concreta do amor ao próximo: dar ao outro o melhor e o mais alto do que um homem obteve para si mesmo. Amamos o nosso próximo na medida em que o elevamos à altura dos anjos. Fazemos-lhe mal quando o rebaixamos à condição de bichinho, seja com maus-tratos, seja com afagos. (pág. 59)
Nessas duas exigências está contida, dizia Cristo, toda a lei e os profetas.
Para grande escândalo do relativismo pedante que desejaria nos convencer da geral discórdia entre os valores culturamente admitidos nas várias sociedades, a universalidade desse duplo mandamento é um dos dados mais evidentes da história mundial.(1#) Não há, com efeito, civilização, por mais remora ou "bárbara", que não tenha valorizado, acima de todas as outras virtudes e motivações humanas, o impulso para o conhecimento e o ensino da "única coisa necessária". O prestígio universal do sacerdócio - no sentido amplo que Julien Benda dava a palavra clerc, que inclui a presente classe dos "intelectuais" - é o mais patente sinal de que, por trás de toda confusão aparente das línguas, a humanidade unânime tem plena consciência de uma hierarquia de valores que, se fosse questionada, suprimiria no ato a possibilidade mesma do questionamento, já que não se pode questionar um saber exceto em vista de um saber mais alto. (pág. 60)
Por vezes, do fundo obscuro da alma humana, soterrada de paixões e terrores, nasce um impulso de libertar-se da densa confusão dos tempos e erguer-se até um ponto onde seja possível enxergar, por cima do caos e das tormentas, dos prazeres e das dores, um pouco da harmonia cósmica ou mesmo, para além dela, um fragmento de luz da secreta ordem transcendente que - talvez - governa todas as coisas.
É o impulso mais alto e mais nobre da alma humana. É dele que nascem as descobertas da sabedoria e das ciências, a possibilidade mesma da vida organizada em sociedade, a ordem, as leis, a religião, a moralidade, e mesmo, por refração, as criações da arte e da técnica que tornam a existência terrestre menos sofrida.
Nenhum outro desejo humano, por mais legítimo, pode disputar-lhe a primazia, pois é dele que todos adquirem a quota de nobreza que possam ter, residindo mesmo aí o critério último da diferença entre o humano e o sub-humano (ou anti-humano) e, por conseguinte, para além de toda controvérsia vã, a chave da distinção entre o bem e o mal. É bom o que nos eleva à consciência da ordem e do sentido supremos, é mau o que dela nos afasta. Não tem outro significado o Primeiro Mandamento: "Amar a Deus sobre todas as coisas."
Acontece que a esse impulso fundamental corresponde um outro, derivado mas não menos forte: aquele que leva o homem que entreviu a ordem e o sentido a desejar repartir com os outros homens um pouco daquilo que viu. Não há certamente maior benefício que se possa fazer a um semelhante: mostrar-lhe o caminho do espírito e da liberdade, pelo qual ele pode se elevar a uma condição que, dizia o salmista, é apenas um pouco inferior à dos anjos. Tal é, substanciamente, a forma concreta do amor ao próximo: dar ao outro o melhor e o mais alto do que um homem obteve para si mesmo. Amamos o nosso próximo na medida em que o elevamos à altura dos anjos. Fazemos-lhe mal quando o rebaixamos à condição de bichinho, seja com maus-tratos, seja com afagos. (pág. 59)
Nessas duas exigências está contida, dizia Cristo, toda a lei e os profetas.
Para grande escândalo do relativismo pedante que desejaria nos convencer da geral discórdia entre os valores culturamente admitidos nas várias sociedades, a universalidade desse duplo mandamento é um dos dados mais evidentes da história mundial.(1#) Não há, com efeito, civilização, por mais remora ou "bárbara", que não tenha valorizado, acima de todas as outras virtudes e motivações humanas, o impulso para o conhecimento e o ensino da "única coisa necessária". O prestígio universal do sacerdócio - no sentido amplo que Julien Benda dava a palavra clerc, que inclui a presente classe dos "intelectuais" - é o mais patente sinal de que, por trás de toda confusão aparente das línguas, a humanidade unânime tem plena consciência de uma hierarquia de valores que, se fosse questionada, suprimiria no ato a possibilidade mesma do questionamento, já que não se pode questionar um saber exceto em vista de um saber mais alto. (pág. 60)
DICIONÁRIO:
Primazia - Que está em primeiro lugar. Que ocupa um cargo importante.
Refração - Ação ou efeito de desviar a luz de sua direção normal.
Seria injustificadamente pretencioso e tremendamente desastroso, querer eu, um simples andarilho em busca de conhecimento, tecer qualquer comentário em relação ao texto acima. O estado de elevação espiritual e intelectual do autor ao dar termo a estes pensamentos, devem no máximo serem reproduzidos de forma fidedigna, sem alterar uma vírgula sequer, sob risco de causar danos irreparáveis a mensagem que busca transmitir.
Destarte, em benefício e para deleite dos leitores, reproduzi o texto na íntegra, sem recortes ou qualquer outra forma se subtração de conteúdo.
Primazia - Que está em primeiro lugar. Que ocupa um cargo importante.
Refração - Ação ou efeito de desviar a luz de sua direção normal.
Seria injustificadamente pretencioso e tremendamente desastroso, querer eu, um simples andarilho em busca de conhecimento, tecer qualquer comentário em relação ao texto acima. O estado de elevação espiritual e intelectual do autor ao dar termo a estes pensamentos, devem no máximo serem reproduzidos de forma fidedigna, sem alterar uma vírgula sequer, sob risco de causar danos irreparáveis a mensagem que busca transmitir.
Destarte, em benefício e para deleite dos leitores, reproduzi o texto na íntegra, sem recortes ou qualquer outra forma se subtração de conteúdo.
Fonte: CARVALHO, Olavo de. O mínimo que você precisa saber para não ser um idiota. 8ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2014.
(1#) - No começo do século XX, houve uma série de antropólogos que saíram pelo mundo fazendo recenseamento dos usos e costumes dos vários lugares. Quando notaram que aquilo que era proibido num lugar era obrigatório no outro, tiraram a conclusão de que todas a normas eram culturalmente relativas. Isto foi especialmente divulgado no mundo por Margareth Mead e Jules Benedict. Eles fizeram um sucesso tão grande que, hoje em dia, essa convicção do relativismo antropológico é tida como um dogma: todas as morais são culturalmente relativas. É no mínimo curioso que nunca ninguém tenha feito a seguinte contraposição: me aponte uma sociedade onde o homicídio seja legítimo. Ou, me aponte uma sociedade onde o casamento seja proibido. Ou, me aponte uma sociedade onde qualquer forma de conhecimento seja proibido. Simplesmente não existem tais sociedades. Isso quer dizer que, por baixo da variação acidental de normas aqui ou ali, existe uma infinidade de normas universais que nunca foram contestadas por civilização ou cultura alguma. A lista das regras e normas permanentes é infinitamente maior do que as das normas variáveis. Isso quer dizer que estes antropólogos, baseados em sua pequena experiência acidental de ter conhecido uma ou duas comunidades, generalizaram para espécie humana, de modo que a visão total da humanidade fica reduzida ao tamanhinho da amplitude de consciência de dois ou três antropólogos, que viram meia dúzia de coisas.
(1#) - No começo do século XX, houve uma série de antropólogos que saíram pelo mundo fazendo recenseamento dos usos e costumes dos vários lugares. Quando notaram que aquilo que era proibido num lugar era obrigatório no outro, tiraram a conclusão de que todas a normas eram culturalmente relativas. Isto foi especialmente divulgado no mundo por Margareth Mead e Jules Benedict. Eles fizeram um sucesso tão grande que, hoje em dia, essa convicção do relativismo antropológico é tida como um dogma: todas as morais são culturalmente relativas. É no mínimo curioso que nunca ninguém tenha feito a seguinte contraposição: me aponte uma sociedade onde o homicídio seja legítimo. Ou, me aponte uma sociedade onde o casamento seja proibido. Ou, me aponte uma sociedade onde qualquer forma de conhecimento seja proibido. Simplesmente não existem tais sociedades. Isso quer dizer que, por baixo da variação acidental de normas aqui ou ali, existe uma infinidade de normas universais que nunca foram contestadas por civilização ou cultura alguma. A lista das regras e normas permanentes é infinitamente maior do que as das normas variáveis. Isso quer dizer que estes antropólogos, baseados em sua pequena experiência acidental de ter conhecido uma ou duas comunidades, generalizaram para espécie humana, de modo que a visão total da humanidade fica reduzida ao tamanhinho da amplitude de consciência de dois ou três antropólogos, que viram meia dúzia de coisas.
Olavo de Carvalho, "Educação Liberal", palestra de 18 de outubro de 2001 no Rio de Janeiro, disponível no link: http://www.olavodecarvalho.org/educacao-liberal/