A moreninha, de Joaquim Manuel de Macedo
Composto por um prólogo, 23 capítulos e um epílogo, A Moreninha segue a trama tradicional dos folhetins românticos, com peripécias, surpresas e revelações. O narrador do livro só é revelado ao leitor ao final da obra, no epílogo, trata-se do próprio Augusto que narra a sua história. Cumprira a aposta feita com Filipe no primeiro capítulo, escrevendo um romance confessando que se apaixonara por uma mesma mulher por mais de quinze dias. Porém, não o faz em primeira pessoa, se posta como um narrador heterodiegético, ou seja, conta os fatos de fora, em terceira pessoa. Em alguns momentos, mostra-se onisciente – “Daqui e de certos fenômenos que acusava a macista, nasceu-lhe o desejo de tomar uma vingançazinha” – em outros, procura chamar à atenção do leitor, agindo como narrador intruso – “Quanto aos homens... não vale a pena!... vamos adiante –, porém a sua observação é destacável. Disso, podemos perceber um singelo intuito metalinguístico. No enredo, predominam-se as ações em vez de os pensamentos. Por isso, o discurso direto, ou seja, as falas das personagens são predominantes; sobretudo nas narrativas secundárias, como a lenda de Ahy e Aiotin e a promessa da infância feita por Augusto e por ele mesmo narrada, bem como seus amores anteriores.
O espaço da narrativa é físico, ou seja, pode ser situado na realidade, Rio de Janeiro, ambiente da corte. A história se inicia com a interação dos amigos num típico quarto de república, ambiente fechado. Contudo, a maior parte dos acontecimentos se dá numa ilha não nomeada pelo narrador, “ilha de...”. É importante se ater a isso, embora historicamente e pelas características apresentadas pela própria obra, a ilha seja de fato Paquetá, o narrador não traz o nome da ilha. O espaço, assim, é a “ilha de...”, onde está a casa de D. Ana e a “gruta dos amores”. Aliás, o narrador não nomeia nem mesmo as ruas, embora apareçam nomes de alguns espaços cariocas como o restaurante Pharoux, ao Campo de Sant’Ana, hoje a Praça da República; Desmarais, famosa perfumaria na Rua do Ouvidor; Largo do Paço, atual praça Quinze de Novembro. Personalidades da época também são mencionados como o dramaturgo e empresário João Caetano dos Santos (1808-1863).
Quanto à linguagem, o discurso do narrador e das personagens segue predominantemente a formalidade da língua. Frases enfáticas, em estilo aforístico, e metafóricas ilustram o caráter intelectual do autor como nos trechos: “Para viver-se vida boa e livre, é preciso andar com o olho aberto e o pé ligeiro” ; “O amor é um anzol que, quando se engole, agadanha-se logo no coração da gente, donde, se não é com jeito, o maldito rasga, esburaca e se aprofunda” . Contudo, há instantes de distração, comicidade, ironia e irreverência, em que o tom coloquial se destaca principalmente nas falas de personagens: “- É um saco! [...] – Coitadinha! aperta tanto os olhos!” . Muitos termos latinos e franceses são citados, por fazerem parte da cultura da época: “C’est trop fort!” , “Ergo” .
O tempo da história é cronológico, linear, que dura um período de trinta dias, como podemos atestar pelas datas que aparecem no texto. Logo no primeiro capítulo na redação da aposta temos “20 de julho de 18...” e no epílogo, a data de “20 de agosto de 18...”, representando justamente o prazo dado a Augusto por Filipe. A narrativa, porém, é interrompida por lembranças e histórias passadas, mediante o recurso do flashback (analepse), como no momento em que Augusto fala de sua promessa infantil e suas experiências amorosas para D. Ana, e quando esta relata a história dos amantes tamoios.
Quanto às personagens da obra, ressalta-se o caráter plano. Ainda que Augusto se apresente inconstante e ao final torna-se constante, ele só agiu segundo o seu próprio coração. Na verdade, ele era constante ao amor de “sua mulher” da infância e o continuou sendo, ao se apaixonar pela Moreninha, que era a mesma pessoa. Alguns personagens secundários ilustram tipos sociais. Rafael e Tobias são escravos. O primeiro serve a Augusto e recebe do seu amo castigos corporais; o segundo, criado de D. Joana, mostra certa esperteza quanto à questão de dinheiro. D. Ana, a típica anfitriã, compreensiva, bondosa e de experiente vida. D. Violante, a senhora inconveniente e desagradável. Quinquinha, Joaninha, Clementina, Gabriela incorporam o espírito das moças namoradeiras, cada qual com suas exigências no quesito amor; porém, todas típicas burguesas, apreciadoras de requintes e desvelos. Os amigos Augusto, Fabrício, Leopoldo e Filipe representam, por sua vez, rapazes burgueses, dados a carraspanas e a namoros; todos, estudantes de Medicina, curso tradicional da elite e de status social. Os jovens, portanto, ganham destaque na narrativa de Macedo, com suas aventuras amorosas, recheadas de ingredientes de romantismo, troca de cartas, presentes, danças, elogios.
Para ler uma análise completa e resolver questões sobre a obra, adquira o livro O verbo mulher.