NEMURI (SONO) do contista japonês Haruki Murakami
Às vezes, a ideia de desperdício de tempo por estar dormindo, passava-me pela cabeça. De que poderia ou deveria estar produzindo algo; pois dormir, seria algo inútil. Lendo, assistindo, escrevendo ou fazendo qualquer outra atividade pela madrugada. Em algumas noites de insônia, fiz isso e parecia ter o poder de prolongar minha vida. Tipo, pensava em voz alta: "Ei, a vida está passando, os ponteiros do relógio são cruéis: Não durma! Ou, durma menos e aproveite mais!". Cria que esse pensar era de poucos. Ao ler esta obra do japonês Haruki Murakami, identifiquei-me com algumas ideias da personagem. Li a primeira página durante o dia, parei e decidi ler depois da meia noite, construindo o ambiente da inominada personagem. Aliás, nenhuma outra tem nome. Senti a mescla da angústia e paz no silêncio da madrugada. Em cada descrição do autor acerca das atividades e vida noturna da mulher que por 17 dias não dormia, a cena se materializava à minha frente e eu a via na sala de casa, segurando Anna Karenina e um copo de Rémy Martin. Vontade de sair pela madrugada e sentir a sensação de perigo e libertação narrada na obra.
A descrição do pesadelo, ocorrido antes do período de vigília contínua, é um momento impressionante: "Permaneci imóvel e, como se eu estivesse deitada numa caverna vazia, só conseguia ouvir minha respiração ecoando nos meus ouvidos de modo extremamente desagradável". O fantástico se manifesta na figura de uma vulto negro à sua frente: "Nesse exato momento, tive a impressão de ter visto alguma coisa no pé da cama. Parecia uma sombra negra e indistinta". Todo o desdobramento discorre sobre o estado de transe a que somos submetidos, de quando em quando, no estágio REM (Rapid Eye Movement) do sono. "Ela contou que parecia tão real que não dava para acreditar que fosse um sonho". Uma amiga de faculdade já havia relatado algo parecido ao transe da protagonista.
Em nossa vida, todos nós também conhecemos alguém que compartilhou essa experiência. Já me disseram sobre a aflição de se sentir amarrado ou pessoa sentada sobre seu tórax; ou ainda, apertando a garganta.
A morte adjetiva a falta de sono da (in) feliz mulher: "Fechei os olhos para tentar lembrar de como era a sensação de dormir. Mas a única coisa que existia para mim era uma vigília na escuridão... que se associava à morte".
"A morte pode ser uma eterna vigília na escuridão?". Esse trecho do texto me remeteu às pessoas em estado vegetativo ou em coma e a uma passagem bíblica no evangelho de Mateus, 27: 52-52: " E abriram-se os sepulcros, e muitos corpos de santos que dormiam foram ressuscitados; E, saindo dos sepulcros, depois da ressurreição dele, entraram na cidade santa, e apareceram a muitos."
Morrer é associado a dormir em outras duas obras literárias. De William Shakespeare, Hamlet no ato III, cena 1, declama no célebre monólogo: "Morrer; dormir; só isso. (...) Dormir! Talvez sonhar. E aí está o problema. Os sonhos que virão com o sono da morte, quando tivermos escapado ao tumulto da vida nos obrigam a exitar". No capítulo XIX de Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, o defunto-autor afirma: "Fiquei só; mas a musa do capitão varrera-me do espírito os pensamentos maus: preferi dormir, que é um modo interino de morrer"
O final? A critério da interpretação e imaginação de cada leitor.