Análise Literária do Soneto "Elegia à minha raça" de EDNA FRIGATO
"Com um pouco de saliva cotidiana, mostro meu nojo à Natureza Humana..." (Augusto dos Anjos)
ELEGIA À MINHA RAÇA
Absorta assisto a desintegração
Da engrenagem viva da minha raça:
Fenomenologia da desgraça!
Células mortas em oxidação!
A morbidez endêmica vulgar
Contamina o futuro por osmose
Dissolve os humanos com overdose
Dessa animalidade secular
Será auto mutilação dos neurônios
Ou apodrecimento dos valores
Sob ação hedionda dos demônios?
E há os acefálicos que se orgulham
Em ser palhaço no circo de horrores
Larva no retrocesso em que mergulham
(Edna Frigato)
Um lamento de morte seria talvez a Elegia frigatiana em “homenagem” à Raça Humana? Na verdade, o mais novo soneto decassílabo de Edna Frigato - “Elegia à minha raça” - é um libelo poético contra a predatória Ação dos homens de Poder que, metonimicamente (ou infelizmente), representam o restante da população planetária. Mais do que isso: é uma denúncia em linguagem performática anunciada cuja declamação (em voz fria, macabra e indiferente) avisa aos navegantes do fracasso iminente da gigantesca Nau mundial. Mais pelo seu conteúdo do que pelo tom profético, esse majestoso poema engajado, panfletário é também um pergaminho literário que antecipa aos ouvintes (leitores) a mensagem mais óbvia e inaudita da humanidade: o Homem é organismo estranho à Natureza – mortal vírus cuja ação desfalece o Planeta Terra.
Tão evidente quanto polêmica se configura tal Tese a ser defendida pelos catorze versos cuja composição, em linguagem poética persuasiva, tentará convencer o leitor da incoerência do seu pensamento antitético. E estabelece espontânea desenvoltura ao tabelar, discursivamente, com a pessimista definição de seu Mestre Augusto dos Anjos: “Com um pouco de saliva cotidiana, mostro o meu nojo à Natureza Humana”. Mais uma vez, a Poetisa do Hediondo Contemporâneo apresenta as suas armas! Só que, dessa vez, enveredando por descaminhos semióticos num mote temático mais sociológico do que existencial.
Na primeira estrofe do soneto, os primeiros versos já apresentam o indiferente e pensativo estado de ser do sujeito poético “Absorta” ao testemunhar “a desintegração” “Da (capitalista?) engrenagem viva da minha raça” e, num raio-x, morfológico (fenomenológico), indica a morte de células desse imenso organismo (o mundo humano). Percebe-se aqui, e durante todo o texto, a linguagem cientificista com empréstimos de termos da Biologia ou da Medicina: “Células mortas em oxidação”; “Morbidez endêmica”; “osmose”; “animalidade secular”; “mutilação dos neurônios”; “acefálicos”, cujo emprego, no universo literário, reforça a potência semântica e o tom agressivo quando inseridos numa sinergia poética, ratificando o consagrado estilo da poesia pré-modernista de Augusto dos Anjos.
Nessa mesma linha de raciocínio, na segunda estrofe, o sujeito poético continua seu libelo determinando que, tamanha destruição é processada de dentro pra fora: “morbidez endêmica” e que tal decadência já contaminou também o futuro da raça humana: “Contamina o futuro por osmose” em doses cavalares de uma irracionalidade histórica: “Dissolve os humanos com overdose / Dessa animalidade secular”. Já no primeiro terceto, um questionamento retórico e, de certa forma, irônico especula a causa da decadência do Homem: “Será auto mutilação dos neurônios / Ou apodrecimento dos valores / Sob ação hedionda dos demônios?”. Ou seja, a causa é física, moral ou religiosa? Talvez sejam os três pilares da (de)formação humana elencados de maneira sintética pela talentosa Poetisa.
No último terceto, o Eu-poético redireciona o foco para os seres que lucram com o anunciado caos geral e até festejam o lamentável episódio gradativo de extinção. E toda a essência trágica de tal acidente humano é motivo de deboche e sarcasmo por parte desses palhaços cuja função é rir da própria desgraça num melancólico “circo de horrores”. Mas o decadente e involutivo destino dos killer clowns já está determinado na sugestiva metáfora do Inferno em “Larva no retrocesso em que mergulham”. Nesse sentido, então, conclui-se que a poesia frigatiana (aqui, nesse texto em questão) apresenta uma visão pessimista sobre o fim da carreira sociológica do Homem na Terra? De maneira alguma. O belíssimo e emblemático soneto “Elegia à minha raça” não condena a Raça Humana, apenas constata uma autocondenação e considera tal movimento “antropofágico” irreversível.
Em seu sortido e criativo repertório literário (na prosa, mas principalmente na poesia), Edna Frigato, eventualmente, flerta com a estética gótica dos poetas da Terceira Geração Romântica; advoga em favor da filosofia pessimista de Arthur Schopenhauer além de remasterizar a escatológica linguagem poética de Augusto dos Anjos. Concluída a perícia em “Elegia à minha raça”, as três digitais são perfeitamente flagradas nesse libelo poético. Mas isso não quer dizer que o teor discursivo do eu-lírico é carregado de paixões comprometedoras, prejudicando assim uma argumentação isenta. Ao contrário, “Elegia à minha raça” é o relatório. Apenas a fotografia ou a filmagem, nos últimos minutos, de um dramalhão mexicano: o fim trágico e irreversível da ação humana na Terra”.
Parabéns, Edna Frigato, por mais uma intensa, reflexiva e inteligente Obra Literária.
Renato Passos de Barros em 26/01/2017