Análise Literária do Soneto "o olhar de fora vê recessivos e dominantes" POR EDNA FRIGATO
o olhar de fora vê recessivos e dominantes no quartel de abrantes
o olhar de fora isento de paixões
registra enfim quem no fim prepondera:
efêmero humano de ínfimas eras!
conte pra frente poucas gerações!
obra espetaculosa!... quem me dera
ser de todos que empenharam ações!...
blasfêmia! perdoada em orações
quando o uno inerte inverte a justa vera
o olhar de fora pasmo inexpressivo
por causa dos amados dominantes
prevê vida breve dos recessivos
e depois... depois... depôs como dantes!
repete história no quartel de abrantes
supremo bípede!... vegetativo
18/11/2016
RENATO PASSOS DE BARROS
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Essa magnífica obra de Renato Passos de Barros descreve de forma sucinta, mas clara a estrutura social trabalhista inserida nas formas de dominação dos sistemas socioeconômico ao longo da história até o atual sistema capitalista.
Com maestria, ele transferiu conceitos do campo das ciências biológicas para o sociológico em versos repletos de rimas originais e figuras de linguagem interessantes.
A alegoria incomum e inédita fala do tema proposto de forma natural, imparcial e objetiva. Por isso o soneto é constituído do início ao fim sem a interferência de "paixões" como é apresentado ao leitor logo no primeiro verso do Soneto.
"O olhar de fora vê recessivos e dominantes no quartel de Abrantes" não é um mero soneto, mas uma breve alegoria da raça humana no planeta. O narrador usa como argumentação o tripé: dominantes, dominados e as relações de trabalho entre ambos.
Dominantes = Dominantes. Dominados = Recessivos. A obra toda é narrada em 3° pessoa sem nenhuma sombra maniqueísta ou influência das ideologias políticas do autor.
O primeiro quarteto dialoga de perto com a teoria do "Calendário Cósmico" de Carl Sagan, a qual compara, entre outras coisas, o tempo de vida do humano com a existência do Universo. Levando em conta a comparação de Sagan, metaforicamente o homem estaria vivendo os últimos segundos da 24° hora da humanidade.
Não há como não notar que, no segundo quarteto, Renato está falando das relações de trabalho entre recessivos e dominantes. Nenhuma teoria refutaria a ideia de que tudo que existe no mundo, se não foi criado pela natureza, foi criado pelo operário. Embora, ele não use a palavra "operário" está implícito no soneto que "recessivos" é uma referência a eles. Como também está bem claro a inversão dos ganhos entre "recessivos e dominantes". Quem produz fica com uma pequena parte, enquanto o "inerte" quem nada faz, fica com quase todo o lucro, além de enriquecer às custas dessa exploração. O último verso desse segundo quarteto ratifica minha fala:"quando uno inerte inverte a justa vera."
O ousado e irreverente autor inicia o primeiro terceto com um oximoro de encher os olhos: "o olhar de fora pasmo inexpressivo." O que nos remete às questões preponderantes da narrativa literária. No último e exuberante terceto, Renato Passos de Barros retoma a questão do tempo com o verso:"e depois... depois... depôs como dantes." Ou seja, o tempo passa, passa e nada muda. Trocam-se os anéis e permanecem os dedos...
E a história continua se repetindo no quartel de Abrantes (mundo). Mais uma vez o Poeta Renato traz ao leitor questões para além da superfície. Num mergulho profundo nos apresenta referências, não apenas para deleite do olhar em seu belíssimo soneto decassílabo, mas para serem pensadas.
Edna Frigato em 18/11/2016