Resenha Crítica
RESENHA CRÍTICA
QUEIROZ, Rachel de. O Quinze. Rio de Janeiro: Editora José Olympio, 2002.
FICÇÃO DE 30: A SAGA DA SECA
Um grande expoente na literatura brasileira, Rachel de Queiroz (1910-2003) nasceu em Fortaleza, Ceará. “Filha de Daniel de Queiroz e de Clotilde Franklin de Queiroz, descendendo, pelo lado materno, da estirpe dos Alencar (sua bisavó materna — ‘dona Miliquinha’ — era prima de José de Alencar, autor de ‘O Guarani’), e, pelo lado paterno, dos Queiroz, família de raízes profundamente lançadas em Quixadá, onde residiam e seu pai era Juiz de Direito nessa época. ”[1] É uma escritora inovadora para uma época em que a mulher ainda não tinha um espaço na sociedade, mesmo assim Rachel constrói uma nova imagem da mulher através da literatura, podemos notar essa expressão em sua obra de 1930, “O Quinze” onde Conceição muda a discussão do papel feminino na sociedade. A escritora não mostra somente a problemática do feminino em seu livro, mas também as dificuldades dos retirantes da seca de 1915 que é o tema central e também dá nome ao livro. O cenário que ambienta a narrativa é o sertão de Quixadá, na fazenda do Logradouro, propriedade de Vicente, o rapaz que Conceição admira e pelo qual tem um amor não consumado; há ainda o casal Chico Bento e Cordulina em quem a autora explora toda a miséria vivida por seus personagens. Nas entrelinhas Rachel mostra a sua posição política a respeito do pouco caso que os governantes fazem em relação à região Nordeste; ela usa uma linguagem simples, mas enriquecida pelo recurso da oralidade, com um discurso direto que faz de sua obra uma narrativa do gênero novelística popular.
No primeiro capítulo a narrativa inicia com o criador de gado Vicente. Conceição que mora na cidade trabalha como professora; tem sua independência. A jovem Conceição, que é prima de Bento, tem um amor pelo rude vaqueiro, porém não pensava em casar com o rapaz. Nas férias ia para a fazenda da família no Logradouro, próximo a Quixadá com a avó. Com o anúncio da seca a avó de Conceição deixa a fazenda aos cuidados de Vicente e resolve ir com a neta para a cidade. Então Vicente fica olhando o gado e realizando as atividades necessárias para não deixar os animais morrerem, isso deixa Conceição confusa em ver o amado ficando sozinho naquela situação difícil, onde a seca devasta até mesmo a esperança dos corajosos e faz os bravos nordestinos temerem perder a própria vida. O vaqueiro evidencia sua bravura quando decide ficar na fazenda do Logradouro, em meio ao árido sertão, enfrentando a calamidade que o assola. Assim cresce ainda mais a admiração de Conceição pelo seu amor, bravo desafiador da própria sorte. Vicente um homem que marca a audácia do nordestino que luta até mesmo quando a última esperança é tirada de sua posse. Isso enriquece o enredo do primeiro capítulo.
Mais dois personagens são colocados pela autora para viverem a saga dessa emocionante história, ambientada num momento de sofrimento. Talvez Chico Bento e sua esposa sejam o foco do retrato dos retirantes na narração, vivem episódios angustiantes da sua existência, encontram-se abandonados ao relento do destino. Tudo começa quanto Chico Bento tem de deixar a fazenda Aroeiras onde trabalhava para sustentar a mulher, a cunhada e seus cinco filhos pequenos. Desbravador da miserável sorte que a vida lhe reservou, contando apenas com a coragem e uma pequena quantia adquirida da venda das vaquinhas e cabras que lhe restaram do longo tempo que trabalhou nas Aroeiras, sua esposa comove-se só em pensar que irá deixa sua barraquinha para aventurar-se pela estrada rumo a um destino inseguro, mas como era uma mulher obediente tinha que seguir os passos do marido aonde ele fosse, pois não tinha escolha para fazer senão caminhar como um cordeiro levado ao matadouro em sacrifício, nem que seja pelos seus filhos. Então, finalmente, chega o dia de partir largando tudo, até mesmo a esperança de sobreviver. Nessa dura realidade do seco sertão a família de Chico começa a sua expedição em direção ao Norte brasileiro na fuga da desagradável problemática que vive esses retirantes, mas uma coisa é notável nesse capítulo: o fato de Chico Bento deixar o sertão sendo que Vicente preferiu ficar, porém isso torna a saga mais emocionante e não causa desfalque na narração, já que Chico e sua família representam os que desbravam a única saída que é retirar-se, buscando a sobrevivência que está escondida no destino que acabaram de abraçar quando saíram das Aroeiras. Os episódios vivenciados durante a longa caminhada marcam profundamente Cordulina, esposa de Chico; desde o momento de partilha, da pouca alimentação até ao momento mais triste, quando a fome levou a óbito um membro da família: Josias que morre por ingerir mandioca, trazendo mais angustia ao coração da pobre mãe que agora chora a perda de um filho e a triste vida que está levando por conta da ingratidão dos fatos ocorridos até então. Entretanto o nordestino mostra mais uma vez o quanto tem coragem para enfrentar a dura vida, continuam a caminhada ao encontro de um repouso. Antes de acontecer a desventura da perda do filho o casal já vinha vivendo desolações. Notamos a miséria que vive essa família, tendo que comer o que lhes fosse oferecido, mas com tudo isso a esperança ainda não secou no coração de Chico que sonha em viajar para o Amazonas, se encanta ao ouvir histórias de quem foi e conseguiu assegurar a sobrevivência da família. A bravura de Chico é a mesma de Vicente só que de ângulos diferentes, onde um decide ficar e o outro resolver sair em busca da melhor saída para aquela situação deprimente em que ambos são imbuídos a vivência.
O cenário em que o livro é ambientado é bastante simples e mostra de forma clara a realidade em que vive o nordestino, torna-se mais difícil quando é assolado por um evento como este narrado no enredo. Raquel e muitos outros que escreveram literatura ambientada no Nordeste denunciam o descaso por parte dos governantes. O discurso direto faz uma focalização sem rodeios, já que a autora viveu momentos como estes narrados na obra; ela não pretende reservar seus alvos. A linguagem usada por Raquel é de fácil acesso ao leitor, pois usa uma oralidade conhecida de todos, mas longe dos cacoetes regionalistas, assim consegue transmitir com clareza e sobriedade sua mensagem. O Quinze é uma inovação da ficção regional, portanto traz um elenco cativante com atitudes ainda não trabalhadas nesse gênero literário, mostrando também um realismo claro do que era o Nordeste.
Lívio Pereira da Silva (Tito Livius)
Universidade Regional do Cariri- URCA
I semestre- Letras.