Análise Literária do soneto - "Interjeições Bovinas" de EDNA FRIGATO
"Um telefone é muito pouco/ Pra quem ama como louco/ E mora no plano piloto/ Se a menina que o cara ama/ Ta pra lá do gama, mata de desgosto (...)" (Léo Jaime)
INTERJEIÇÕES BOVINAS
O diálogo fora assassinado
Por interjeições bovinas constantes
Com o olhar frequentemente distante
Dos olhos meus teus outrora encantados
A atenção tomou o trem pra Marrakech
Minha voz não alcança os decibéis
Pra competir com os solos fiéis
Da estridente guitarra do Slash
The end! O seu tempo já está esgotado!
Já era! Amanhã a gente se fala!
Cabisbaixo coração meu se cala
Tum! Tum! Celular mudo do outro lado
Mensagem mecânica, timbre frio
Sangro! E pra não chorar então rio
EDNA FRIGATO
+++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++
Hummmmmmmmmmmmm!... Deliciosa leitura leve! Divertido, engraçado, criativo e inteligente. "Interjeições Bovinas", o mais novo soneto decassilábico de Edna Frigato, é também uma crítica branda a situações fáticas de comunicação (entre dois namorados? Quem sabe...) acrescentada a falhas (tão corriqueiras) em seu popular veículo high tech comunicativo: vulgo celular. O tom irônico do poema motivado por uma certa irritação do eu-lírico com a situação... digamos... um pouco desagradável, atravessa os quatorze versos arrancando sorrisos de seus leitores/poetas já conhecidos pelo refinado gosto literário. Daí que "Interjeições(...)", dentro do repertório poético frigatiano, surpreende sim devido ao ineditismo na temática e na linguagem. Chega mais pra cá... afasta você um pouco pra lá... Esse belíssimo (e diferente) soneto em pauta reivindica, sem constrangimento nenhum, seu humilde canto no trem-bala frigatiano lotado de sonetos hediondos; de poesia filosófica existencialista; de prosas poéticas cinematográficas e também de intensos e imagéticos poemas líricos carregados de extrema sensibilidade e tragicidade.
Só de escolher o divertido roqueiro goiano Léo Jaime como interlocutor para um dedo de prosa (poética) já é surpreendente porque poucos conhecem o trecho da canção em epígrafe cujo contexto remete o leitor ao Plano Piloto (parte da cidade de Brasília) e a uma das cidades satélites do Distrito Federal: Gama. Essa balada rock/pop/anos 80 fala também sobre a dificuldade de se namorar a distância usando apenas o telefone (e olha que, naquela época, não havia celular, internet, muito menos what´s up). A irreverência do poema já começa pelo título e a menção dele no primeiro quarteto. Mas o que seria então “interjeições bovinas”? Claro, a pergunta é retórica. Difícil dizer se existe interjeição mais cosmopolita que o coincidente mugido do boi: Hummmmmmmmmmmmm!..., que quer dizer delicioso, ou, caso mais curto, apenas um desinteresse na conversa disfarçado de educação cuja única função é fática. Ou ainda pode significar um “agora entendi”, ou quem sabe um “espertinha, hein?”. Bom..., de qualquer forma, é algo inusitado num poema. A turma do Oswald de Andrade gostava dessas inovações vanguardistas que também servem para acordar os leitores mais desatentos.
Voltando à análise do soneto, no segundo quarteto, a hipérbole misturada com personificação em “A atenção tomou o trem pra Marrakech” antecipa o tom irônico e sarcástico da crítica feita pelo eu-lírico. Porém, o mais hilário mesmo é rimar Marrakech com Slash (Que tipo de rima seria essa? Rica? Preciosa? Ou inusitada?). Acrescentar a cidade de Marrakesh, lá pras bandas de Marrocos com as bruxarias sonoras do brilhante guitarrista Slash num texto que fala de telefone e função fática é de um surrealismo alucinógeno que arranca risos dos leitores quando conseguem perceber esses geniais malabarismos poéticos. Quem também gostava de fazer esse tipo de traquinagem literária era o Raul Seixas rimando “bode” com “Pink Floyd” na engraçada e inesquecível “Tu és o MDC da minha vida”, além do nosso mais querido roqueiro maldito e genial da MPB, outros talentosos roqueiros também se enveredaram pela comédia em versos: Ultraje a Rigor, Raimundos, Língua de Trapo, Pedra Letícia, Cachorro das Cachorras, Mamonas Assassinas, Clarice Falcão entre outros.
Portanto, mesclar poesia e humor não é algo novo na música. Mas, na poesia escrita (não musicada) é um pouco mais raro. E, no repertório poético de Edna Frigato, “Interjeições Bovinas” faz parte de uma composição experimental bem ousada e de sucesso muito pelo humor inteligente aplicada na dosagem correta, sem se perder do tema proposto pela própria autora. De volta à análise, na segunda metade do soneto (os dois tercetos), destaque para o termo em inglês “the end” e a onomatopeia “tum! tum!” (reprodução clássica do celular chamando) cujo propósito intencional ou não é de apresentar para um assunto tão recorrente do cotidiano uma familiaridade discursiva com os jovens e adolescentes (principal tribo de dependentes químicos desse breguete tecnológico). Quanto ao fanatismo religioso que os jovens empenham no aparelho celular, isso é outra história. Daí que o eu-lírico, ao tratar sobre esse assunto, não demonstra desespero juvenil pela falha do celular. Pelo contrário, Edna Frigato demonstra leveza, desenvoltura e muita facilidade ao compor um soneto decassílabo enxertando, durante os quatorze versos, muita criatividade, humor e irreverência.
Parabéns, poetisa Edna Frigato! Por oferecer aos seus leitores valiosa e inédita Arte Literária!
Por Renato Passos de Barros em 28/10/2016.