Análise Literária do soneto - "o exilado em inesperado retorno epifânico" - por EDNA FRIGATO
o exilado em inesperado retorno epifânico
ressuscito o que uma vez foi carniça...
leva tempo às vezes pra ver um erro
e voltar a casa após o desterro
respondendo o chamado da justiça
mas se invento um tempo a mais, desperdiça
vida quem vela o vivo em falso enterro
e choro igual desmamado bezerro
quando vejo o morto na própria missa
horas depois, longo banho caseiro
transforma a carniça num ser inteiro
a sauna do chuveiro o rebatiza
quer a mudança... lhe falta baliza
que separe o bem bem longe do mal
quer um recomeço... já no final
06/09/2016
RENATO PASSOS DE BARROS
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Análise Literária do soneto - "o exilado em inesperado retorno epifânico" - por Edna Frigato
As significações do seu soneto, Poeta Renato de Passos Barros, remetem o leitor a um universo lírico repleto de sentimentos de não aceitação, dor, rejeição, numa perspectiva absolutamente fúnebre na qual a negação dos próprios sentimentos do eu-lírico servem apenas de reflexo para a segunda pessoa do discurso poético, que sob os finos véus da poesia, em vão, esse eu-lírico tenta esconder. Augusto dos Anjos ficaria orgulhoso do tom lúgubre que você deu aos seus versos.
Você iniciou o soneto com o verbo ressuscitar. Além de estar em primeiríssima pessoa, indica a ação do sujeito-poético. A alegoria "carniça" mostra claramente um ser em estado avançado de decomposição, ou seja, morto. Claro, que é uma expressão metafórica, no entanto, seu significado é evidente: o eu-lírico sentia-se morto para si mesmo, ou ainda para a segunda pessoa do discurso. A alegoria "voltar a casa" aponta para uma retomada de estado de consciência ou aceitação. E é esse estado de "retorno a si mesmo" que culmina no "Retorno Epifânico".
O segundo quarteto confirma de maneira contundente a retomada de consciência do eu-lírico. O verso: "quem vela o vivo em falso enterro" confirma mais uma vez a presença de uma segunda pessoa no discurso. E deixa claro que esse sujeito-poético está falando de sentimento. Ninguém vela uma planta, uma rocha, uma fatura para pagar. Nesse momento da narrativa, o que era negação torna-se aceitação do sentimento ou da pessoa (para haver sentimento tem de haver uma pessoa) que estava vivo o tempo todo, mas morto na negação e não na aceitação.
A emoção explode no verso: "e choro igual desmamado bezerro/ quando vejo o morto na própria missa". Na minha interpretação, a missa representa o tempo. Indicando que, embora já tenha passado tanto tempo, o sujeito-poético se dá conta, ou admite que dentro dele tudo estava ainda intacto. Perante essa constatação, as lágrimas aprisionadas também podem estar presente nos sentimentos que vem à tona, como uma avalanche inesperada carregando com ela dúbias certezas, falsas convicções.
O primeiro terceto, é o momento realmente epifânico e revelador da narrativa, pois é quando o eu-lírico renasce de fato. Renasce para a vida que ele julgava morta. A água, símbolo da limpeza, renovação e renascimento o rebatiza. E, nesse momento, as alegorias se vestem de oração na sublimidade do momento. "... longo banho caseiro/ transforma a carniça num ser inteiro". De forma comovente as imagens poéticas mostram o momento de redenção da primeira pessoa do discurso.
No último terceto, a narrativa é finalizada declarando a "impotência" do do sujeito-poético perante o avassalador sentimento: "quer a mudança... lhe falta baliza". O último verso finaliza o soneto, encerrando de forma, absolutamente, lírica o mais íntimo desejo do eu-lírico: "quer um recomeço... já no final!".
Pela primeira vez, vejo teu "eu-lírico" totalmente desnudo e resignado dos seus sentimentos de perda, dor, rejeição. Como árvore no outono que se permite perder as folhas, porque admite que embora o tempo seja implacável, não tem nenhum poder sobre o que acontece dentro de nós. Parabéns, Amor, pela magnífica obra literária, que, com louvor, leva a sua assinatura.
(Edna Frigato)
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Obrigado, minha Feiticeira Dourada, por tão valioso presente! Sua bela Análise Literária está respaldada pelo método da Fenomenologia e da Hermenêutica. Com sensibilidade, inteligência e ideias concatenadas, seu texto explicou de maneira clara a significação do soneto em pauta.
Beijos de agradecimento e de saudades!
(Renato Passos)