Arte no escuro

Meu conhecimento a respeito de Brasília resume-se a duas coisas: é a cidade onde minha Anastasia querida mora, e nos proporcionou ótimas bandas que foram muito importantes ao nosso desenvolvimento musical. Nada perguntem-me sobre suas mazelas políticas – abandonei a carreira jurídica exatamente por não gostar de política, e mal sei quem é o presidente eleito por meus compatriotas. Tampouco sei a respeito de pontos turísticos dignos de nota – em verdade, acho a arquitetura de Niemeyer uma afronta aos olhos. Suum cuique, como sempre gosto de repetir!

Talvez julguem-me deveras pueril e idealista por isto, e não me importo; mas minha maior preocupação quando conheço a respeito de alguma cidade ou país é saber quais bandas ou poetas de lá me apeteceriam. Assim sendo, aquilo que sei sobre Brasília não se resume às famosíssimas Legião Urbana e Capital Inicial – algumas bandas brasilienses das quais gosto muito são Finis Africæ, 5 Generais, Lupercais e Arte no Escuro – e não tenho vergonha de trazer à tona meu passado como entusiasta da subcultura gótica.

De todas estas bandas, porém, a única que ainda ouço assiduamente hoje em dia mesmo tendo abandonado meus sonhos de tornar-me um ícone gótico é o Arte no Escuro – também ouço o Finis Africæ, mas tenho mais afinidade com a primeira por dois motivos: o primeiro é por sua vocalista Marielle Loyola ser uma de minhas paixonites de infância e o segundo por seu álbum epônimo ser um dos lançamentos mais quintessenciais do rock gótico brasileiro junto com “Fósforos de Oxford” do Cabine C.

Enquanto meu saudoso mestre valia-se de sua profunda erudição para compor letras arcanas e de atmosfera onírica, o Arte no Escuro é mais voltado às costumeiras emoções do dia a dia, cantadas de modo introspectivo e, ao mesmo tempo, sensível e delicado – acho desnecessário dizer isto, considerando as bandas que já passaram por minha série de ensaios, mas já alerto ao leitor, para que não se decepcione, que o Arte no Escuro lançou apenas um álbum antes de ser tragado pelo maelström do Tempo. Assim sendo, não culpem a mim pelo sabor pungente de “quero mais” que ele deixa ao seu término.

Em apenas oito faixas somos enlevados por uma sonoridade que mistura violência e romantismo, passando por temas como amor (“Beije-me, Cowboy”, “As Rosas”), desilusão (“Entre Aves de Rapina”, “Vencidos”, “No Fim”) e decadência/cotidiano urbanos (“Na Noite”, “Boró” e “Celebrações”). Atrevo-me a dizer que o Arte no Escuro foi o mais próximo que tivemos de um Siouxsie and the Banshees, e como sempre lamento-me (e muito) que tenham parado em um álbum só. Entretanto, é uma obra importantíssima para o desenvolvimento da subcultura gótica no Brasil, e ainda hoje traz-me nostalgia de tempos mais inocentes nos quais nem acreditava que viria a escrever estes ensaios, rememorando o quão velho estou desde que conheci tal ou tal trabalho pela primeira vez. E concordo com um de seus membros quando disse que é uma banda que Álvares de Azevedo gostaria de ouvir; como teria saído a “Lira dos vinte anos” sob tal influência?

(São Carlos, 28 de setembro de 2021)

Galaktion Eshmakishvili
Enviado por Galaktion Eshmakishvili em 04/10/2016
Reeditado em 30/10/2021
Código do texto: T5781110
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