ANÁLISE LITERÁRIA - "LUA DE MEL EM PLUTÃO" - POR RENATO DE PASSOS BARROS

Uma marca registrada nas obras literárias de Edna Frigato é o convite ao diálogo poético mediante epígrafes cuja escolha apresenta, além da convergência temática, um refinado conhecimento no campo da Literatura, Música, Cinema e Filosofia. Não é uma simples tatuagem que caracteriza o tatuado. O repertório literário frigatiano, nas epígrafes e em seu conteúdo referencial, sempre vai flertar com outras áreas do conhecimento humano, enriquecendo assim a poesia e a bagagem de leituras de seus receptores.

Fiel a esse vetor paradigmático, "Lua de Mel em Plutão", o mais novo soneto decassílabo de Edna Frigato, convida "Aquarela" de Toquinho para uma conversa bem intimista, só voz e violão. À primeira vista, parece muito estranho: a mais bela canção da MPB (cujo reducionismo a posicionou como música de criança) dialogando com a Embaixadora do Hediondo num esplendoroso poema lírico no qual os limites estruturais/textuais não represam seu conteúdo picante e deixam transbordar uma sutil e real sensualidade em cenas cinematográficas de amor e sexo. No entanto, esta Análise, por uma questão tão somente de estratégia dissertativa, vai retomar a intertextualidade proposta pela epígrafe só no último terceto do soneto.

Logo na primeira estrofe, a cena que inaugura o "filme" enfatiza, em quadro fechado, "as mãos" do interlocutor-amante percorrendo o "belo corpo pagão" do eu-lírico em "toques lascivos" e "despertam as paixões" como se armadilhas fossem. Mas boa parte do início desse "filme" fica por conta do inaudito e na sugestão proposta pelo texto e preenchida pela imaginação do leitor. Como essas mãos percorrem? Com um carinhoso abraço nas costas nuas do eu-lírico até sua anca? De uma maneira intensa, forte e lenta? São imagens interpostas tão velozes quanto a leitura desse primeiro quarteto.

Continua, nessa mesma toada, a narrativa do segundo quarteto, com destaque ao melódico neologismo "pétala-pele" que remete o leitor ao termo mais usual "à flor da pele". No segundo verso "Sensações que a censura não aprova", também ficam implícitas cenas de sexo, mas que não são detalhadas no restante do poema. Mesmo assim vale ressaltar com muito destaque os pares segundo e terceiro versos não só pela rima rica e inédita "aprova/supernova", mas pela imagem poética sugerida por eles: o brilho do olhar = o brilho da supernova, finalizando com a pintura mais bela e sensual do soneto: "Meu corpo no seu corpo meu flutua!". Esse verso, dado o contexto do poema, direciona a imaginação do receptor à belíssima imagem de um casal se amando na cama abraçados, numa fusão de corpos, rolando de um lado para o outro, flutuando e se revezando em posições de posse e possuído. Tal imagem é ratificada, no papel, pelos pronomes possessivos "meu" e "seu" e o revezamento deles na frase, assim como a repetição simétrica da palavra "corpo".

O primeiro terceto narra o final apoteótico da aventura sexual. É o momento em que o eu-lírico venera a imagem de seu amante e admite que não há somente sexo em jogo, mas também um amor sublime e conquistado: "E te ofereço o amor: meu maior ganho", em seguida: "No olor desse prazer em que me banho" encerra a terceira estrofe com chave de ouro. A rima interna "amor/olor" e a rima rica externa "ganho/banho" incrementam com melodia a imagem poética, no entanto, é a sinestesia "olor/banho" que vai dar um realce realista ao belo e sensual quadro do eu-lírico, literalmente, se banhando no gozo de seu amante.

No último terceto, o vocativo "Ah! Homem!..." ratifica a tese de um eu-lírico feminino que declara e comemora, em versos apaixonados, seu amor concreto, real e consumado, bem distante do lirismo fracassado e idealizado do Romantismo do século XIX.

Nesse sentido, "Lua de Mel em Plutão" também está longe de ser uma canção de amigo medieval devido à presença de um eu-lírico feminino com seu canto de amor utópico destinado a um amante. Ao contrário, é um soneto com d.n.a contemporâneo, por exemplo, na imitação literária de técnicas cinematográficas de tomadas velozes, entrecortadas e fechadas de cenas, enfatizando recortes de maior relevância. É um soneto, principalmente, que preserva a tradição frigatiana de apresentar aos seus leitores uma linguagem poética rebuscada com uma seleção vocabular perfeita nas construções metafóricas de rara, inédita e surpreendente beleza: no criativo neologismo "pétala-pele"; na hiperbólica descrição "olhar resplandece a supernova"; no fenomenal "Meu corpo no seu corpo meu flutua!" ou na sinestésica cena de filme erótico: "No olor desse prazer em que me banho".

Em retorno da digressão no último terceto, o vocativo "Ah! Homem!..." inicia o fim da narrativa quando pondera sobre esse "querer selvagem" e conclui que "é vertigem refletiva em vitrais!". Tal verso remete esta Análise ao ato sexual narrado cujo reflexo foi refratado nos inúmeros espelhos do motel. E encerra essa verdadeira obra prima dicotomizando, melodicamente, "Mel" e "fel" como sendo os seus "anseios passionais" e somente agora volta a belíssima mensagem filosófica da epígrafe do nosso grande poeta Toquinho em Aquarela: "Sem pedir licença, muda nossa vida e depois convida a rir ou chorar". Ora... "Mel e fel" e "rir ou chorar" são metáforas para sucesso ou fracasso na relação afetiva. O amor é uma aposta que se faz sem, evidentemente, saber qual será seu resultado. Portanto, Edna Frigato, de maneira genial, vanguardista e surpreendente, propõe uma intertextualidade poética do recorte mais filosófico de "Aquarela" apenas e tão somente com a mensagem final de seu soneto erótico. Tal drible poético entortou a mente dos melhores leitores-zagueiros.

"E quanto ao título?" - questiona o leitor mais atento e exigente: por que "Lua de Mel em Plutão"? Para esta Análise, "Plutão", por ser o (ex-)planeta do Sistema Solar mais distante do Sol ou da Terra, pode carregar, nesse texto específico, a metáfora de ser um lugar bem distante, Daí que a Lua de Mel ocorreu num lugar muito longe tendo como referência o próprio eu-lírico. Mas cabem, muito bem, outras interpretações. Até porque "Lua de Mel em Plutão" é um título muito parecido com um filme cult "Café da manhã em Plutão" cujo conteúdo é totalmente desconhecido desta Análise (que apenas sabe, acidentalmente, da existência desse filme por causa de uma busca no Google). Talvez seja uma mera coincidência ou, mais provável, que a poetisa Edna Frigato (uma cinéfila de carteirinha) pode, propositalmente, ter feito uma referência ao filme ainda que seu poema nada tenha a ver com à clássica película. Ora... se tem a ver com o filme, por que então não usou um trecho dele como epígrafe para o soneto?

De qualquer forma, "Lua de Mel em Plutão" fortalece e ratifica ainda mais o modus operandi da Literatura frigatiana. Pode-se considerar, sem margem de erro, que “Lua de Mel em Plutão” é a continuação de “Sua Deusa de Marfim”, “Vértice Lunar” e “Encaixe Perfeito” por apresentar, numa mesma linha temática, um eu-lírico que relata a experiência do amor bem sucedida. Após tanta obra de arte literária de alta qualidade, Lady Frig continua a surpreender, de maneira muito positiva, seus leitores. Bom para esses leitores, melhor ainda para a Literatura brasileira que ganha mais um diamante, mesmo se escondendo no underground (no caso, o Recanto das Letras) das mídias de maior alcance. Mas isso já é uma outra história cujo desenvolvimento do tema gera também um discurso de fôlego. Parabéns, Edna Frigato! Por mais uma excelente Obra de Arte Literária! Obrigado por esse valioso presente aqui ofertado em sua página! Beijos! Até mais ler!

Renato Passos de Barros
Enviado por Edna Frigato em 22/07/2016
Reeditado em 05/10/2016
Código do texto: T5705513
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