OBSCURO OBJETO DE DESEJO

OBSCURO OBJETO DE DESEJO*

Depois de assistir esse filme psicótico, e ter participado dos debates relativo a ele, posso dizer os seguinte:

Em que pese o casal vislumbrar o sexo como união e manutenção vitalícia, não é o que acontece na realidade pelo que podemos auferir nos dias de hoje. O filme mostra a luta pela conquista da sua “cara metade” cuja parceira torna a sua consumação na obscuridade do seu desejo inconsumível. A vida conjugal está muito além da realização sexual, haja vista conjugação perdurar independentemente da sua sexualidade. Constatamos na homossexualidade da sociedade hodierna. Os casais homossexuais e as lésbicas não procuram o sexo como fim, nem como meio de sua união, apenas uma consequência da união. São pessoas carentes que procuram saciar suas carestias através de uma vida a dois numa comunhão psicossocial, estável e contínua, garantida juridicamente e que preencham suas necessidades, quer sejam elas físicas, psíquicas ou sociais. Por de traz desta união esta a carência afetiva, a solução psíquica, a realização profissional, o desenvolvimento pessoal, o protesto educacional e religioso, em fim a resistência ao padrão intolerável da família e da sociedade em geral.

Podemos afirmar pelo curso da história humana, que a sexualidade não está na cópula do macho e fêmea, mas na realização do seu orgasmo, quer seja ele fisicamente pela masturbação ou pelo sua psique, atendendo, assim, independentemente do sexo e do parceiro.

Percebemos hoje em dia que a sociedade não quer mais ter uma prole como se fazia até a geração passada. Hoje a carência dos filhos esta substituída pelos animais domésticos, o qual chamam de filhos ou se intitulam de pais. Uma evidencia da falta de afeto que buscamos na compensação quer seja ela de homem, mulher, filho ou paternidade.

O amor, a caridade, não diz mais respeito ao ser nem ao gênero, pois a equivalência substitui a carência.

Portanto o obscuro objeto de desejo esta oculto na sua essência, precisa ser desvendado na necessidade de cada um, no contexto social da época que analisamos a sua obscuridade.

São Paulo, 15 de Julho de 2.016.

José Francisco Ferraz Luz

* SINOPSE E DETALHES

Logo após Mathieu (Fernando Rey) entrar em um trem, ele joga um balde de água numa bela jovem que estava na plataforma, causando uma grande surpresa para os passageiros que ocupavam a mesma cabine de Mathieu. Ele resolve explicar para os outros passageiros a razão do seu ato e lhes conta que ficou bem obcecado por Conchita (Carole Bouquet), uma bela arrumadeira que parecia nunca ter trabalhado antes com as mãos. Começou então um jogo de gato e rato no qual Mathieu, um homem rico e sofisticado que está entrando na 3ª idade, tenta obsessivamente ganhar os afetos de uma jovem de 18 anos. Assim ela manipula o desejo carnal dele e cada um tenta ganhar absoluto controle sobre o outro

Cine Freudiano

Psicanálise e espiritualidades são excludentes? Afinal, o Real não é o campo de Deus?

quarta-feira, 1 de maio de 2013

ESSE OBSCURO OBJETO DO DESEJO

por Leila Oliveira

Certamente, um belo filme de Buñuel, que revela toda a sua relação com o movimento surrealista. O movimento formado por artistas que propunham uma maneira diferente de ver o mundo, uma vanguarda artística que transcende a arte. Uma ampliação da consciência, uma liberdade de expressão, sem exigência da lógica e da razão, assim, como o mundo dos sonhos.

No sonho, sabemos, é a satisfação de desejo embora o desejo só se realiza e não poucas vezes, ás custas do próprio eu. Ele irrompe, chega sem avisar, nos surpreende e entra sem ser convidado. As formações do inconsciente, como os atos falhos, sonhos, lapsos, sintomas, são paradigmas freudianos que nos ensinam sobre o caráter essencial do desejo. Mas que desejo é esse, de Mathieu e Conchita?

Buñuel constrói e desconstrói, na ficção, um dos mecanismos mais caros da teoria de Freud. Vamos então, á nossa viagem de trem para Sevilha construindo as cenas.

No trem, um comportamento inesperado do protagonista, chama a atenção de seus amigos de viagem, e ele procura explica-lo, narrando os motivos que o levaram a tal ato, aparentemente, sem a menor censura.

Mathieu, um homem de meia idade, burguês e solitário, se apaixona desesperadamente por Conchita, uma jovem de 18 anos, meiga, doce, insolente e virgem.

E então se faz aparecer um jogo erótico, de pura sedução, onde pode se perguntar: o que quer a mulher? Qual o desejo de Conchita? E Mathieu, o que espera da mulher? Ele espera que ela lhe dê o que lhe pede, o objeto sexual.

Ele fica siderado por essa mulher, de um certo desejo, desejo do ato sexual.

Mas, Conchita oferece a Mathieu, apenas partes de seu corpo para que ele goze .”Assim, como a histérica, quer deixar insatisfeito o gozo do outro, quer um “mais-ser”, ser alguma coisa para o outro, não um objeto de gozo, mas um objeto precioso que vá sustentar o desejo e o amor. (Colette Soler)

“Se eu lhe der o que me pede, não vai me querer mais”. Ela quer o amor.

Freud em Três ensaios sobre a teoria da sexualidade, diz que: “O que se coloca em lugar do objeto sexual é alguma parte do corpo (tal como o pé, ou os cabelos) que é, em geral, muito inapropriada para finalidades sexuais”. E, Conchita oferece a Mathieu, apenas partes de seu corpo para que ele goze.

Como explicar a atração entre os sexos se existe apenas as pulsões parciais?

Bem, sabemos que as pulsões parciais em si, ignoram a diferença sexual. A orientação do desejo sexuado, é que é passível de ser explicado.

Colette Soler, em seu livro, “O que Lacan dizia das mulheres” pergunta: Como explicar a relação sexual? O que é uma norma heterossexual? Se o macho não basta para constituir o homem, nem a fêmea, a mulher?

Podemos tentar responder então, a partir do Édipo e da descoberta do inconsciente.

“Freud descobriu que, no inconsciente, a diferença anatômica é transformada em significante : ter o falo. E a partir do Édipo, responde a esta pergunta: como pode um homem amar sexualmente uma mulher? Através da renuncia ao objeto primordial, a mãe, e ao gozo referido a ela e através da castração do gozo. Já do lado feminino Freud reconheceu o fracasso de suas tentativas de explicar e daí surgiu o seu famoso: ”que quer a mulher? E conclui que o édipo produz o homem, não produz a mulher”.

Conchita nos demonstra em vários momentos, essa posição de ter e não ter o falo. Ela oscila entre a “Mulher Pobre” que é “aquela que é desprovida de todos os objetos da serie fálica”, mas rica de outros bens, (boa filha, meiga, virgem) que como diz Lacan: nada pede á fantasia do homem. Ela não está preocupada em satisfazer as fantasias, o desejo de Mathieu. Conchita pobre de amor, mas rica de outra coisa que é o gozo. E entre a “mulher abstinente”, que é aquela mulher que renuncia a sexualidade, permanecendo “virgem”, e a relação com o gozo do outro, fica indeterminada.

Ela quer apenas gozar na sedução. Serei sua amante. - Quando? Hoje? -Não, depois de amanhã. Em outro momento, ele pede:- Beije-me, ela não permite, diz:- depois. E adia mais uma vez, a se entregar como objeto causa de um desejo.

A quem são endereçadas as perguntas de Mathieu, então? Podemos dizer que á fantasia, á imagem e ao objeto

Conchita não fez a travessia para o feminino, ela recusa a verificar-se numa posição subjetiva da castração. Ser “castrada”, é, de onde parte a feminilidade da mulher que é aquela cuja falta fálica a incita a voltar para o amor de um homem. Primeiro o pai, depois o marido..

“Ao se descobrir privada do pênis, a menina torna-se mulher quando espera o falo- ou seja, o pênis simbolizado daquele que o tem” C.Soler.

Mas deixa seu rastro, embora, não quer saber de nada disso. E Mathieu sempre a encontra, obsessivamente, e ela, sempre recua frente ao seu pedido.

Bem, se olharmos o que acontece nas cenas em que Conchita faz jogo da separação/retorno, presença/ausência, podemos pensar em Freud, em Além do Principio do Prazer, onde aponta a brincadeira do fort-da.

Desenvolvida por uma criança, que fazia desaparecer e aparecer o objeto, um brinquedo, que significava o “ trazer de volta, a mãe”

A criança antecipava a satisfação de um desejo- a mãe poderia estar ausente sem fazer grandes reboliços.

Jogar fora um objeto e trazê-lo de volta, era o que Conchita fazia em sua fantasia de satisfação. O mesmo mecanismo controlador, ilustrando uma ausência a ser buscada por Mathieu. Volta para ele, pra não ter a presença negada e assim continuar o jogo de gato e rato, prazerosamente controlando a situação com promessas que faz e não cumpre.

Investe em uma sensualidade infantil, fala de seus princípios, de seus valores, tendo a mãe como sua aliada, ao mesmo tempo apresenta uma liberdade estranha, dança em cabaré nua para os homens, aceita certas caricias de Mathieu.

Com essa posição, não querendo mais ser criança, mas também não querendo ser adulta, que é uma conveniência, para manter um outro jogo, que é o “negocio amoroso”, Mathieu passa a ser mais um “tesouro” que a fascina do que um objeto de amor a ser possuído. E esse se coloca nesse lugar.

O filme, rico em detalhes e enigmas, como por exemplo: a ratoeira em uma casa de classe alta, mosca no copo, um saco que eventualmente Matthieu carrega nas costas, são detalhes que sugerem uma outra narrativa, um outro momento do filme. As cenas de explosões e de terrorismo, sugerindo um suposto envolvimento de Conchita, mas que parece passar despercebido a Mathieu, são apenas sugeridas, indiciadas sem nenhuma explicação. Ou quem sabe, o explosivo movimento do desejo?

E no final, uma mulher dentro de uma vitrine, tira de um saco, varias camisolas, talvez simbolizando as recusas de Conchita, sugere o mesmo saco que Mathieu carregava, começa a remendar uma camisola suja de sangue. O desejo do ato sexual consumado? Pega suas memórias, suas bagagens, seus desejos e constrói a historia, ou repete a história?

CHICO LUZ
Enviado por CHICO LUZ em 16/07/2016
Reeditado em 16/07/2016
Código do texto: T5699162
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