Numa dessas tardes indolentes do Rio, decido assistir ao documentário “Menino 23”, em cartaz num cinema do Centro da cidade. Ao terminar a sessão, constata-se que o diretor Belsário Franca nos oferece o seu trabalho mais sofisticado, uma obra espetacular realizada a partir das investigações do historiador Sidney Aguilar. Através de fatos que se desenvolvem pelo período de 1920 a 1930, o filme nos provoca reflexões contemporâneas. Bem amarrado, com uma narrativa envolvente desde o início, o roteiro nos apresenta o enredo insólito de Aloísio e Argemiro, que foram duas das 50 crianças negras transferidas de um orfanato carioca para uma fazenda remota no interior de São Paulo, propriedade da abastada e tradicional família Rocha Miranda. Obrigados a trabalhar sem remuneração, inseridos num total isolamento, os dois personagens nos contam o episódio de um Brasil obscuro, onde ocorrências históricas chegam aos dias atuais de forma desfocada pelo tempo, como que para esconder a nossa face mais desumana.
Os meninos não possuíam nomes, eram tratados por números e é assim que Aloísio e Argemiro se referem um ao outro. Viveram os tempos da patética Aliança Integralista Brasileira, os fascistas dos trópicos, que tinham como símbolo o sigma. O racismo era camuflado pelo que eles chamavam de “estrutura hierárquica”. Com a adesão de Getúlio aos aliados durante a Segunda Guerra, toda e qualquer filosofia semelhante ao nazismo foi banida, o que também resultou na liberação dos garotos sequestrados que permaneciam na fazenda dos Rocha Miranda. Aloísio escolheu se manter no mesmo lugar por não saber para onde ir e nem o que fazer; Argemiro ganhou o mundo, mesmo antes de ser libertado, morou na rua e se alistou como soldado da marinha para combater o exército de Hitler.
Assistindo a “Menino 23”, ficamos com a nítida impressão de que o Brasil é uma espécie de “Retrato de Dorian Gray”. Sob a pele do país colorido, cordial, alegre, carnavalesco, ensolarado e praiano, habita a perversão de uma alma racista, homicida, homofóbica e que nutre admiração irrestrita pelo fascismo. Para os que acreditaram que Deus fosse brasileiro, é um choque descobrir que o Diabo sempre esteve à espreita. Este passado sombrio nos faz desconfiar do presente nebuloso, nos sugere olhar ao redor, nos faz desconfiar que continuamos uma nação composta por uma elite mestiça que se pensa branca e que ainda bota fé na eugenia. Em paralelo, ergueu-se uma classe média de lacaios dos piores interesses sociais, abraçam as ideias mais deploráveis apenas pela crença mesquinha de pertencer a Casa Grande.
Deixo o cinema sentindo um peso nos ombros, com a certeza de que não estamos muito distantes daquela sociedade desprezível, que não cultiva interesse em resgatar o Brasil massacrado, escravizado pela miséria, humilhado pela ausência de escolaridade, vítima de uma classe dominante estúpida e cega que prefere se aproveitar dos excluídos, que comete crimes e preconceitos bárbaros pela convicção profunda de que faz o melhor.
Os meninos não possuíam nomes, eram tratados por números e é assim que Aloísio e Argemiro se referem um ao outro. Viveram os tempos da patética Aliança Integralista Brasileira, os fascistas dos trópicos, que tinham como símbolo o sigma. O racismo era camuflado pelo que eles chamavam de “estrutura hierárquica”. Com a adesão de Getúlio aos aliados durante a Segunda Guerra, toda e qualquer filosofia semelhante ao nazismo foi banida, o que também resultou na liberação dos garotos sequestrados que permaneciam na fazenda dos Rocha Miranda. Aloísio escolheu se manter no mesmo lugar por não saber para onde ir e nem o que fazer; Argemiro ganhou o mundo, mesmo antes de ser libertado, morou na rua e se alistou como soldado da marinha para combater o exército de Hitler.
Assistindo a “Menino 23”, ficamos com a nítida impressão de que o Brasil é uma espécie de “Retrato de Dorian Gray”. Sob a pele do país colorido, cordial, alegre, carnavalesco, ensolarado e praiano, habita a perversão de uma alma racista, homicida, homofóbica e que nutre admiração irrestrita pelo fascismo. Para os que acreditaram que Deus fosse brasileiro, é um choque descobrir que o Diabo sempre esteve à espreita. Este passado sombrio nos faz desconfiar do presente nebuloso, nos sugere olhar ao redor, nos faz desconfiar que continuamos uma nação composta por uma elite mestiça que se pensa branca e que ainda bota fé na eugenia. Em paralelo, ergueu-se uma classe média de lacaios dos piores interesses sociais, abraçam as ideias mais deploráveis apenas pela crença mesquinha de pertencer a Casa Grande.
Deixo o cinema sentindo um peso nos ombros, com a certeza de que não estamos muito distantes daquela sociedade desprezível, que não cultiva interesse em resgatar o Brasil massacrado, escravizado pela miséria, humilhado pela ausência de escolaridade, vítima de uma classe dominante estúpida e cega que prefere se aproveitar dos excluídos, que comete crimes e preconceitos bárbaros pela convicção profunda de que faz o melhor.