Dirndl to go
Acompanhar a evolução musical de um artista é sempre algo interessante – independentemente de concordarmos ou não com as direções às quais sua obra pode caminhar, não deixa de ser fascinante ver a forma com a qual alguém reinventa sua arte, provando-se capaz de permanecer genuíno a seus ideais ao mesmo tempo que desconstrói e reconstrói sua estética.
Acho peculiar bandas de metal serem aquelas mais propensas a esta mudança, geralmente ambicionando modernizar seu som a novas audiências devido à sua longevidade. Cito os trabalhos do Paradise Lost e do Anathema como exemplo. Outros, mais ousados, querem libertar-se de certas amarras e experimentar com mais gêneros – que foi o que aconteceu com um de meus heróis musicais, František Štorm, vocalista por trás do Master’s Hammer e, a partir de 2021, do Airbrusher.
Começando com o agressivo e tradicional black metal de “Ritual.” (1991), passando pela opereta “Jilemnický okultista” (1992; vide meu ensaio anterior a respeito da grande importância deste álbum para a minha obra) e enveredando por direções exponencialmente pós-modernistas e dadaístas a partir de “Šlágry” (1995), Štorm consegue capturar não só o fin de siècle oitocentista como também o período de selvagem transformação literária do início do século XX com sua música – e com o que consigo traduzir das letras, pois permaneço sem conhecer uma palavra de tcheco desde a redação do “Alceste”. Para que seu viés avant-garde e surrealista pudesse brilhar com mais força, o Master’s Hammer morreu para dar à luz o Airbrusher, que lançou seu primeiro álbum, “Dirndl to go”, também em 2021.
Elevando ao extremo a direção experimental que vinha sendo seguida pelo Master’s Hammer, o antigo black metal está completamente em segundo plano; as guitarras são muito menos proeminentes do que em qualquer lançamento anterior de sua prévia banda, com os teclados ganhando lugar de destaque e produzindo melodias estranhamente dançantes. A barreira de idiomas impede-me de comentar da maneira detalhada que gostaria, mas até onde posso opinar Štorm é um dos mais aplicados discípulos de Alfred Jarry e grande estudioso moderno da ‘patafísica.
Numa cena musical onde a mudança quase nunca é vista com bons olhos e que é composta por fãs pretensiosos e presos ao tradicionalismo, o Sr. Štorm proporciona uma refrescante mudança a todos os paradigmas do que se define como black metal. Mesmo que apenas os “happy few” consigam apreciar a beleza insana de suas canções, não é em subverter padrões que a Arte consiste, afinal? Movimentos vêm e vão, mas a graça da situação é moldar suas ideologias de acordo com suas preferências e transformar o velho em novo – e apenas quando isto for algo de conhecimento geral tudo parará de ser tão repetitivo.
(São Carlos, 29 de abril de 2022)