Análise literária do soneto - O CORVO - de EDNA FRIGATO
"A vida é crua. Faminta como bico dos corvos. E pode ser tão generosa e mítica: arroio, lágrima, olho d'água, bebida. A vida é líquida." (Hilda Hilst)
O CORVO
Um corvo negro me trouxe maus agouros
Essa ave fúnebre – prenúncio da morte
E das vorazes agruras da má sorte -
Pousou minha cabeça e tingiu meus louros
Seu piado inibitório me golpeia
Revoa minh´alma anunciando o luto
Corro, me disfarço e ainda assim escuto
O chamado da morte ao meu medo alheia
Petrificada morrem-me os movimentos
Trêmula balbucio o meu último arpejo
Ao sentir da morte o fatídico beijo
Já do outro lado, sinto gélidos ventos
Açoitando sem dó o meu mórbido espírito
Junto aos proscritos que me recebem em rito
EDNA FRIGATO
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A metáfora cristalizada do "corvo" como prenúncio da morte já visitou a inspiração de grandes escritores da Arte Literária (Edgar Allan Poe, James O'Barr, irmãos Grimm), no entanto, não é o objetivo deste humilde adendo analítico confabular intertextualidades possíveis e forçadas do poema "O Corvo" de Edna Frigato com outras literaturas de mesmo tema. Nesse belíssimo soneto, a simbologia do Corvo como mensageiro da morte ganha status de Alegoria e será o eixo sintagmático das impactantes imagens cinematográficas que a linguagem poética frigatiana irá proporcionar na mente do leitor apaixonado por Literatura.
Já na primeira estrofe, o sujeito-poético anuncia a chegada do corvo e, com ele, os revezes da vida: "Um corvo negro me trouxe maus agouros" (...) / "Pousou minha cabeça e tingiu meus louros". Vale ressaltar que, de maneira sutil (ou talvez nem tão sutil assim para o bom leitor), a narrativa esclarece: não é a morte, propriamente dita, que está "envelhecendo" (tingou meus louros) ou trazendo má sorte para a primeira pessoa, mas sim a presença do Corvo, ou seja, o pressentimento de morte.
A narrativa poética do soneto facilita a criação de imagens do Corvo perseguindo o eu-lírico: "Corro, me disfarço e ainda assim escuto / O chamado da morte ao meu medo alheia", entretanto, tais movimentos são também signos da mais antiga e inglória guerra da Humanidade: a luta contra a morte e o desejo, às vezes, inconsciente de eterna juventude.
Nas duas últimas estrofes, segue a narrativa descrevendo agora os sentimentos do sujeito-poético diante do inevitável fim: "Petrificada morrem-me os movimentos / Trêmula balbucio meu último arpejo / Ao sentir da morte o fatídico beijo". Numa linguagem pujante, a estética frigatiana continua o relato imagético e, nele, a morte personificada rouba a cena: - com um beijo de cinema - "finaliza" a fragilizada primeira pessoa poética.
Com imagens fúnebres... noturnas... e elegias cantadas num fundo musical imperceptível, trata o último terceto da permuta de planos existenciais: "Já do outro lado, sinto gélidos ventos / Açoitando sem dó o meu mórbido espírito / Junto aos proscritos que me recebem em rito". Porém, essa nítida e fabulosa passagem do plano material para o espiritual, são, novamente, metáforas que remetem o leitor às vivências do cotidiano. Nesse sentido, todo o poema pode estar se referindo à morte de uma fase da vida e o surgimento de uma nova fase ainda desconhecida (daí, o açoite do mórbido espírito). E escreve-se "pode", nesta Análise, porque existem tantas outras interpretações quantas forem permitidas pelo próprio texto: Fenomenologia da Arte Literária.
De qualquer forma, "O Corvo" ratifica o estilo poético do vasto repertório literário frigatiano. Com uma escolha vocabular suculenta, Edna Frigato constrói, para os fãs do cenário gótico, um belo quadro de múltiplas imagens mórbidas e fúnebres, adicionando, em congruência poética, ingredientes simbolistas e de Augusto dos Anjos. Este valioso soneto hendecassílabo deve ser emoldurado e pendurado no quarto de todos os leitores amantes da Literatura corajosa e de rupturas. Parabéns, Edna Frigato! E obrigado por mais este presente poético!
Por RENATO PASSOS de barros em 26/05/2016