Análise de obra
Notas do subsolo – Fiódor Dostoiévski
Notas do subsolo – Fiódor Dostoiévski
Fiódor Dostoiévski (1821 – 1881) nasceu em Moscou, filho de pai violento e alcoólatra ele desejava a morte do pai e quando o mesmo veio a falecer Dostoiévski passou o resto da vida lidando com o sentimento de culpa em desejar a morte do pai. Esse sentimento perpassa toda sua obra literária através das autoanálises que os personagens fazem. Na juventude engajou-se na luta contra o regime autoritário do Czar Nicolau I. Foi condenado à morte por suas inclinações socialistas em 1849, porém, na hora do cumprimento da sentença a pena foi alternada para 5 anos de trabalhos forçados na Sibéria. A experiência como um forçado marcou Dostoiévski profundamente e passou a influenciar sua escrita. O primeiro romance que escreveu influenciado por sua traumática experiência como forçado na Sibéria foi “Memórias da casa dos mortos” publicado em 1862.
Notas do Subsolo pulicado em 1864 é uma das suas obras mais inquietantes e ácidas já escritas, ela marca o existencialismo de Dostoiévski e é uma verdadeira obra de arte da literatura russa. A estrutura das Notas está dividida em dois momentos distintos. Na primeira parte o escritor esboça as ideias ácidas do personagem relacionadas às correntes políticas, sociais, filosóficas e revolucionárias de seu tempo. Dá os primeiros sinais da personalidade do narrador-personagem através de autoanálises.
Notas do Subsolo pulicado em 1864 é uma das suas obras mais inquietantes e ácidas já escritas, ela marca o existencialismo de Dostoiévski e é uma verdadeira obra de arte da literatura russa. A estrutura das Notas está dividida em dois momentos distintos. Na primeira parte o escritor esboça as ideias ácidas do personagem relacionadas às correntes políticas, sociais, filosóficas e revolucionárias de seu tempo. Dá os primeiros sinais da personalidade do narrador-personagem através de autoanálises.
“Sou um homem doente... Sou mau. Não tenho atrativos. Acho que sofro do fígado (...) Não me trato, nunca me tratei, embora respeite os médicos e a medicina (...) Não, senhores, se não me trato é de raiva. Isso os senhores provavelmente não compreendem. Que assim seja, mas eu compreendo. Certamente, não poderia explicar a quem exatamente eu atinjo, nesse caso, com a minha raiva; sei perfeitamente que não me tratando não posso prejudicar os médicos; sei perfeitamente bem que, com isso, prejudico somente a mim mesmo e a mais ninguém. Mesmo assim, se não me trato, é de raiva. Se o fígado dói, que ele doa ainda mais!”
Dostoiévski constrói o personagem a partir da ideia dos “Homens Supérfluos” presente na literatura russa durante toda primeira metade do século XIX. Esses “Homens Supérfluos” são aquelas pessoas cujos talentos e inteligências não tinham qualquer aplicação na sociedade da forma que estava configurada no período em questão. Por falta de perspectivas de realização pessoal e de sentido para suas habilidades mentais essas pessoas se tornavam, gradativamente, destrutivas e pessimistas.
Para compreender a obra dostoievskiana é necessário rever brevemente o quadro social em que a Rússia se encontrava no final do século XIX. O território russo encontrava-se dominado pelo regime monarquista no qual a figura do Czar era líder soberano apoiado por uma classe nobre autoritária e opulenta. A maior parte da população russa era composta por camponeses em situação de miséria. O processo de industrialização da época culminou no aprofundamento da situação de miséria das pessoas. A intensificação da exploração do trabalho camponês nas fábricas, o aumento da renda e autoritarismo da nobreza e a inserção de ideias socialistas através dos trabalhadores intelectuais entre a massa camponesa definiram o panorama social da Rússia Czarista em 1880. Houve a eclosão das primeiras greves e formação de movimentos sociais radicais de trabalhadores com tendências anarquistas. Dostoiévski escreve nesse e sobre esse contexto histórico, sua obra trata sobre o homem russo comum dissolvido e perdido em correntes ideológicas que muitas vezes acentuavam a descrença existencial e o radicalismo que moldou a mentalidade dos homens daquele momento histórico.
Há no narrador-personagem de Notas do Subsolo inclinações a um comportamento niilista, a inquietação diante a mediocridade do homem comum, a insatisfação de um novo tipo de indivíduo que surge nesse meio de tensões sociais, o homem médio desiludido que não consegue se ver reconhecido em contexto algum.
“Não apenas não consegui tornar-me cruel, como também não consegui me tornar nada: nem mau, nem bom, bem canalha, nem homem honrado, nem herói, nem inseto. Agora vivo no meu canto, provocando a mim mesmo com a desculpa rancorosa e inútil de que o homem inteligente não pode seriamente se tornar nada apenas o tolo o faz. Sim, senhores, o homem do século XIX que possui inteligência tem obrigação moral de ser uma pessoa sem caráter; já um homem com caráter, um homem de ação, é de preferência um ser limitado”
Na segunda parte do livro estão reunidas as notas propriamente ditas. São narrados os episódios da vida do narrador paradoxista, do homem comum, do homem do subsolo. Há uso de linguagem informal nesse segundo momento dando ao texto o caráter de uma conversa pessoal com o leitor. O narrador refere-se aos leitores por “senhores” dando a eles uma ideia de superioridade, de estarem acima do subsolo. Outra vezes o uso de “senhores” adquire o aspecto de ser direcionado aos rivais políticos e sociais do narrador que também são colocados acima do subsolo em que ele se encontra.
O narrador polemiza com inúmeras personalidades do seu século, russos e estrangeiros, como Kant, Darwin, socialistas utópicos franceses e russos, escritores e intelectuais. Seu tom é audacioso, agressivo, hostil e provocativo, fazendo uso muitas vezes de recursos irônicos para criticar grandes ideias que formaram a mentalidade intelectual do século XIX.
“Entre o mundo acabar e eu beber o meu chá, eu quero que o mundo se dane, quero ter sempre o meu chá, eu quero que o mundo se dane, quero ter sempre o meu chá para beber. Você sabia disso ou não? Pois eu sabia que era canalha, patife, egoísta, preguiçoso. Nestes três últimos dias fiquei tremendo de medo de que você viesse. E sabe o que mais preocupava nesses três dias? Que eu tinha surgido diante você como um herói, e aqui de repente você me veria neste roupãozinho rasgado, como um mendigo miserável. Eu lhe disse há pouco que não me envergonho de minha pobreza; pois saiba que eu me envergonho, é do que eu mais me envergonho, é do que eu mais tenho medo, mais do que se eu fosse um ladrão, porque sou tão vaidoso que é como se tivessem arrancado a minha pele e eu sentisse dor até com o ar. Mas será possível que você ainda não entendeu que eu jamais a perdoarei por você ter me surpreendido neste roupãozinho no momento em que eu me atirava como um cãozinho raivoso sobre Apollon? O salvador, o recente herói, se atira como um vira-latas ordinário e desgrenhado sobre o seu criado, e este fica rindo dele!”
A obra dostoievskiana é uma das melhores representantes do existencialismo, ela explora a autodestruição, humilhação e assassinato além de abordar de maneira inquietante estados patológicos e situações sociais conflituosas que levam ao suicídio, loucura e homicídio. Albert Einstein escreveu “Dostoiévski ofereceu-me mais que qualquer outro pensador, mais que Gauss”, o escritor russo Aleksei Rémizov escreveu durante seu exílio em Paris em 1927 “A Rússia é Dostoiévski. A Rússia não existe sem ele”. Grande parte da crítica literária afirma que Dostoiévski foi um dos nomes mais influentes da literatura do século XIX e o maior representante do existencialismo e expressionismo.