Retratos da humanidade
Estou certo (ou, pelo menos, quero estar) de que não sou o único, então compartilho com toda a segurança de meu ser aos meus amigos leitores o seguinte fato a meu respeito: nunca gostei das músicas do Charlie Brown Jr..
Espantoso, não? Bem sei que sou um millennial, e tendo baixado ao mundo com o crepúsculo do século XX cresci junto com esta banda, que aparentemente haveria de rejuvenescer o cenário musical brasileiro com sua atitude “descolada” e influenciar as novas gerações que construiriam o presente século, e acompanhei-a indiretamente quase que do começo ao fim, por 19 anos. Entretanto, por mais que eu respeite a importância gigantesca desta banda e simpatize bastante com a biografia atribulada de seu vocalista Chorão, suas letras não me agradam muito – trazem-me bastante nostalgia de um passado que nunca experimentei, sendo jovem, livre e despreocupado andando de skate com os amigos, mas sempre achei que são repetitivas e não trazem muita variedade de assuntos. Quem ouve a uma música do Charlie Brown Jr., ouviu a todas.
A história da banda não é segredo nenhum; ainda hoje, quase dez anos depois de seu fim, todos se lembram das tragédias que a assolaram e de suas constantes mudanças de formação acarretadas por divergências criativas e a personalidade difícil de Chorão – mas o que poucas pessoas parecem se lembrar é dos projetos paralelos que seus ex-membros viriam a formar, e eu próprio só vim a descobri-los muitos anos depois de seu fim. Acho estranho o Charlie Brown Jr. ter perdurado por duas décadas enquanto tais projetos morreram tendo lançado apenas um único álbum e quase que sem qualquer divulgação no rádio e na televisão à época de seu surgimento (pelo menos até onde consigo recordar-me) – interessei-me por ouvir um deles, o Revolucionnários, liderado pelo ex-baixista do Charlie Brown Jr. Champignon, considerado por muitos o “segundo no comando” depois de Chorão, devido à enorme comiseração que dedico ao seu caso, que julgo ter sido excessivamente trágico e infeliz. Surpreendi-me com o que ouvi.
O Revolucionnários lançou um único álbum, “Retratos da humanidade”, em 2006, e como não podia deixar de ser, desapareceu. Tal acontecimento devia ter sido pranteado, pois neste único álbum a banda conseguiu fazer, ao menos em minha opinião, algo muito mais agradável aos ouvidos do que o Charlie Brown Jr. com dez álbuns.
Conquanto ainda traga em si as influências estilísticas do Charlie Brown Jr., com sua sonoridade forte e letras de cunho urbano e social, o Revolucionnários é muito mais harmônico e não teme enveredar por letras de cunho mais espiritual, como “A Nova Era de Aquarius” – “Como num Sonho Perfeito” é de longe a mais bela de todo o álbum, amparada pela faixa-título e outras canções como “Por um Mundo Melhor” e “Natureza”, encerrando com a magnífica instrumental “Revolucionajazz”.
Tudo o que digo, porém, é uma questão de gosto pessoal; não quero desmerecer o Charlie Brown Jr. ou a obra de Chorão. Mas digo que se o Revolucionnários tivesse vingado talvez poderia ter concorrido de frente com o Charlie Brown Jr., e até mesmo o eclipsado. Uma banda é composta por vários membros, então por que só Chorão deve ser lembrado? Tanto fãs quanto não-fãs, aproveitem o ensejo para apreciar uma ótima e subestimada banda (considerando ou não sua conexão com o Charlie Brown Jr.) e, àquele que tem fé, que ore à divindade que julgar mais conveniente que tanto Chorão quanto Champignon tenham encontrado conforto e paz depois da morte.
(São Carlos, 16 de setembro de 2021)