ANÁLISE LITERÁRIA - “SUA DEUSA DE MARFIM” - POR RENATO PASSOS DE BARROS
Mais um impactante soneto de intensa linguagem poética frigatiana cuja temática lírica foge um pouco do padrão intimista-sadomasoquista porque, nesse poema, o eu-lírico, apesar do sofrimento narrado nos dois quartetos, já nos dois tercetos, encerra o texto apresentando uma perspectiva de êxito amoroso. Daí que a lírica frigatiana, nesse caso, recusa a receita literária dos pessimistas discípulos de Byron e de Schopenhauer.
Na primeira estrofe, as lembranças passadistas dominam sua mente e desferem inúteis ataques resvalando num escudo afetivo armado pelo sujeito-poético com indiferença e desprezo: "Tenho a nítida sensação de olvidar / Como se tudo estivesse em outra era". Mas reconhece, na segunda estrofe, que foram, realmente, tempos difíceis. Os vocábulos "não havia primavera"; "inverno austero" e "algoz severo" metaforizam essa fase pretérita carregada de trevas cuja intenção da autora é enterrá-la no mais profundo subsolo do último chão de seu inconsciente. E faz isso de maneira ritualística (na construção de um soneto-homenagem). Mas reconhece, no último verso do segundo quarteto que tal mal carimbou sua alma com "infindáveis crateras".
Nas duas últimas estrofes, identifica-se a pá que irá finalizar o sepultamento das chagas de outrora. A conjunção adversativa "porém" é, nitidamente, o divisor de águas dessas duas distintas fases vividas pelo eu-lírico. Esse conectivo inicia o verso que descreve o encontro da luz no fim do túnel: "Porém, ao longe, vislumbro seu olhar". E se agarra nesse suposto porto seguro: "Sereno olhar como um anjo a me cuidar / Agora sou sua deusa de marfim!". Vale ressaltar, nesse versos, o fato da poetisa se apresentar à segunda pessoa do discurso como "SUA deusa de marfim" porque ela tem a certeza de que agora viverá sim um amor correspondido, sereno, sadio ou "repaginado". Identifica-se também, nesse fechamento, a ampliação de carga semântica, num processo paronomásico, dos sintagmas "sentimento AMORTALHADO" = no sentido de morte e "sentimento AMOR TALHADO" = no sentido de cortado, retalhado, incompleto. De qualquer forma sustenta a mesma semântica negativa, se contrapondo à perspectiva otimista: "Se em teus olhos vejo o amor repaginado".
Portanto, presencio aqui, em tela, inusitado soneto cuja desenvoltura discursiva abandona, no fim, o aspeto trágico tão comum no lirismo romântico, principalmente, da Segunda Geração Poética. Nesse sentido, Edna Frigato preserva, na estrutura textual de seu soneto, algumas regras de composição clássicas: soneto italiano petrarquiano com todos os versos hendecassílabos. Porém, no conteúdo poético e temático, mais uma vez, Edna Frigato surpreende o seu leitor apresentando uma obra de arte literária que foge um pouco dos padrões clássicos (sem um final trágico ou platônico), mas que mantém a qualidade poética ao pé de igualdade dos cânones de nossa Literatura. "Sua Deusa de Marfim" é um poema que apresenta ao leitor uma mensagem de esperança, renovação e ressurgimento. Na voz frigatiana de um eu-lírico feminino, a alegórica Deusa de Marfim surge, para o seu interlocutor (o seu novo amor), como uma Fênix em labaredas de paixão "repaginada" e vitoriosa ostentação performática. Mais uma vez, Edna Frigato, te agradeço por me proporcionar essas belas imagens poéticas! Mil beijos, Feiticeira Dourada!
(Renato Passos de Barros)