Análise das obras de Stephen King:
IT- A Coisa
 
Nessa análise de obra do escritor Stephen King trago à luz de reflexões a história tenebrosa de IT-A Coisa (1990). Assim como muitos outros trabalhos do autor, este também ganhou adaptação no cinema sob a direção de Tommy Lee Wallace no início dos anos 90. Apesar das diversas opiniões contrárias, arrisco dizer que foi uma das melhores adaptações cinematográficas de algum trabalho de Stephen King, por ter sido muito fiel à obra literária. IT está no topo das criações mais pavorosas do escritor, investigaremos a seguir alguns dos principais elementos que fizeram dela mais uma obra-prima do horror na literatura.
 
Para o início da análise destaco a criatividade de Stephen King ao fazer uso de uma figura que popularmente assombra a maior parte das mentes humanas: um palhaço. Há um número grande de pessoas que sofrem de Coulrofobia, termo psiquiátrico designado para definir indivíduos que possuem pânico de palhaços, porém, mesmo pessoas comuns que não possuem essa síndrome pelo menos se arrepiam ao pensarem em um palhaço louco, em um palhaço assassino. Mas a introdução do palhaço, Pennywise, na história não foi apenas por conta do aspecto medonho da figura em si, ele está relacionado com uma parte muito importante da mensagem da obra: a infância dos protagonistas. O palhaço está associado à inocência das crianças da história.
 
A estrutura do romance está dividida em períodos que se intercalam entre a infância e a vida adulta de um grupo de amigos: Bill Gago, Richie, Stan, Mike, Eddie, Ben e Beverly. A forma que o escritor dispõe os capítulos mostra a característica comum em suas obras, o movimento do passado-presente. Nas outras análises feitas procurei destacar tal movimento e posso correr o risco de me tornar repetitiva, mas na história aqui analisada o fluxo temporal é um dos aspectos mais importantes da narrativa. Conhecemos esses personagens na infância, vemos como se encontraram e pelo o que tiveram de passar juntos. IT é uma história sobre amizade, confiança e união acima do terror que assola Derry, a cidade da obra. As 7 crianças das primeiras partes do livro precisam enfrentar seus piores medos e a figura de Pennywise, o palhaço, figura o próprio medo.
 
Como admirador declarado de H.P. Lovecraft é bem provável que Stephen King tenha se inspirado nas palavras dele: “A emoção mais antiga e mais forte da humanidade é o medo, e o mais antigo e mais forte de todos os medos é o medo do desconhecido” para criar a narrativa de IT. Pois, o medo é o elemento que norteia toda obra aqui tratada. Pennywise se alimenta do medo das pessoas, ele vive no subterrâneo da cidade de Derry. É necessário refletirmos sobre a construção espacial do habitat de Pennywise: o esgoto. A ideia de subterrâneo como local do maligno remete a crença cristã de inferno, do submundo onde as piores criaturas vivem e observam o mundo. A utilização do esgoto da cidade como o lugar em que Pennywise vive é proposital, nesse ponto destaco a existência do universo paralelo presente na maioria das obras de King. No caso de IT, esse universo existe em uma dimensão imaginária, apenas as pessoas que conseguem ver A Coisa (ressaltando que A Coisa é o próprio Pennywise, e que o palhaço é apenas uma de suas variadas formas) são arrastadas para essa realidade paralela. Uma realidade paralela horripilante e infernal a sustentar toda uma cidade que vive alheia ao universo funesto existente sob seus pés.
 
Em alguns momentos do livro Stephen King dá a Pennywise o aspecto de um Deus lendário faminto que se alimenta do que há de pior na imaginação das pessoas. Por essa razão as crianças são seus aperitivos favoritos, porque crianças possuem imaginação fértil. Através da imaginação Pennywise pode incitar o pavor, o pânico e se alimentar dele. O ato de se alimentar do medo é criado por King no sentido literal, o palhaço realmente devora pessoas e são nas passagens descritivas em que se alimenta dos restos humanos que está o elemento de repulsa da obra, o fator pavoroso. A fidelidade com que King dá ao ato de canibalismo pode causar sensação de repúdio em alguns leitores, mas é essencial para evocar e reforçar o aspecto de horror na figura do palhaço. O grupo de protagonistas encontra com Pennywise em diversos momentos a partir de seus medos mais íntimos, e precisam enfrenta-lo cara a cara. De fato há o confronto da Coisa que vive nos esgotos de Derry contra as crianças do grupo de Bill Gago, que é destacado como líder, porém, ao crescerem e alguns deixarem Derry para trás acabam esquecendo do acontecido. A vida adulta entra em cena e apaga da memória o que aconteceu de bom e de tenebroso na infância dos personagens.
 
Nos capítulos que tratam sobre o desenrolar da vida adulta dos personagens, notamos que o escritor faz uma reflexão sobre a morte da infância, pois, nenhum dos envolvidos no confronto contra Pennywise em Derry se lembram do acontecido. Todos tiveram a mente apagada, há um hiato em suas memórias onde a infância perdeu a força. Cada um à sua maneira construiu suas vidas adultas e perderam muito do que eram na infância. Stephen King trabalha habilmente com essa fase da vida em que o passado longínquo referente à infância deixa marcas difusas. Marcas estas que representam as lembraças fragmentadas de nossas infâncias que não conseguimos precisar detalhes. Derry acaba desvanecendo da vida das crianças que enfrentaram o mal da cidade no passado, mas que não o derrotaram de fato.
 
O fato decisivo em toda obra é o retorno das crianças, agora adultos, a Derry a fim de acabarem de uma vez por todas com Pennywise que voltou a despertar. Um personagem que ficou em Derry mesmo depois de adulto liga para os amigos e cobra a promessa que fizeram na infância. Interessante ressaltar que o único que não se esqueceu dos fatos da infância foi aquele que permaneceu vivendo em Derry. Pouco a pouco cada um dos personagens vai se lembrando de algo muito importante que ocorreu quando eram crianças, que haviam feito uma promessa, mas a memória é fraca, ela só ganha força novamente quando os elementos do grupo de Bill Gago entram na cidade.

Assim como acontece no universo de “O Iluminado” na composição do Hotel Overlook como uma entidade cheia de forças, Derry também exerce poder sobre os personagens, aí reside o sobrenatural. Um a um, os personagens começam a rememorar suas infâncias, e nós descobrimos elementos novos junto com eles, elementos que o escritor deixa para revelar quase ao fim do livro. O retorno dos protagonistas à Derry desperta os antigos medos infantis, Bill, Richie, Stan (que não retorna por ter cometido suicídio), Mike, Eddie, Ben e Beverly precisam enfrentar novamente as próprias armadilhas da imaginação. Eles reencontram Pennywise mais forte e mais faminto em variadas formas que assombram cada um de acordo com o maior dos seus pânicos. Juntos precisam encontrar a força necessária para adentrarem novamente no submundo de Pennywise e derrota-lo.
 
A mensagem principal que podemos apreender do livro reside no fato de que os indivíduos não podem sentir medo, o medo é o alimento da Coisa e quando ela não consegue despertar esse sentimento se torna enfraquecida. Através da coragem eles acabam por enfraquecer Pennywise em uma batalha tenebrosa nos confins dos esgotos de Derry, e para derrota-lo eles descobrem um elemento ainda mais forte que a coragem, a união. Apenas aquele grupo de crianças poderia matar Pennywise, e assim eles o fazem e é somente no fim que acabam por recordar tudo o que haviam prometido durante suas infâncias.
 
IT- A Coisa é mais do que uma narrativa de puro horror, ela trabalha vários elementos que se conectam, há uma belíssima mensagem por trás de todo mal disseminado por Pennywise em suas variadas formas. Destaco dentre todos recursos utilizados na narrativa a construção temporal, o escritor recorre em IT – A Coisa ao movimento cíclico que utilizou em obras como a saga “Torre Negra”, a ideia de roda em que o passado está constantemente influenciando os indivíduos nas suas escolhas presentes. A infância é retratada como a chave para o segredo da morte da Coisa, enquanto que a vida adulta representa o período de total esquecimento. Ao retornarem para a cidade de Derry, chamados intencionalmente pela própria Coisa, o grupo de protagonistas reencontra suas raízes, ao revisitar o passado e enfrentar os pavores lá criados conseguem deter Pennywise no momento presente.
 
 
“Ele acorda desse sonho sem conseguir lembrar exatamente o que foi, nem nada mais além do simples fato de que sonhou que era criança de novo (...) Vou escrever sobre isso tudo um dia, pensa ele, e sabe que é só um pensamento de amanhecer, um pensamento pós-sonho. Mas é bom pensar assim por um tempo no silêncio limpo da manhã, pensar que a infância tem seus segredos doces e confirma a mortalidade, e que a mortalidade define toda a coragem e todo o amor. Pensar que o que já ansiou pelo futuro também precisa olhar para trás, e que cada vida faz sua própria imitação da imortalidade: uma roda” (P.1101-1102)
Larissa Prado
Enviado por Larissa Prado em 06/05/2016
Reeditado em 02/11/2016
Código do texto: T5627570
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