Rose Madder e LOVE – a história de Lisey
 
Como admiradora inveterada do escritor Stephen King venho propor uma análise das suas obras através de elementos comuns que interligam o universo criado por ele em todas suas histórias. Após ler um número suficiente de contos e romances de Stephen King identifiquei características recorrentes interessantes para uma análise mais aprofundada do background que guia as narrativas tão bem elaboradas pelo autor.

Iniciarei a série de análises com duas obras menos populares Rose Madder (1995) e LOVE- a história de Lisey (2006), pois essas histórias possuem recursos narrativos bastante similares. Lembrando que todas análises das obras de King partem das minhas observações pessoais enquanto leitora, sem a pretensão e/ou preocupação em corroborar os elementos que trouxer à luz de reflexões. Acredito que boa parte dos fãs do escritor possam ter refletido sobre os mesmos aspectos, ou, tenham interpretado de maneiras diversas, estarei aberta a qualquer tipo de reflexão ou crítica.

O romance “Rose Madder” inicia-se com a protagonista Rose sendo espancada pelo marido, esse espancamento culminou em um aborto. O marido de Rose se mostra tão inexplicavelmente violento que me leva a acreditar em um elemento usado, frequentemente, por King em suas obras ao dotar os personagens com um tipo de “possessão” insana. Chamarei esse elemento como o próprio autor o definiu na obra “LOVE- a história de Lisey”, “A Coisa Ruim”, essa “coisa ruim” como aparece em LOVE é um tipo de espírito maligno que em algum momento irá tomar conta de determinados personagens. Tanto em Rose Madder quanto em LOVE há a presença de personagens que são dominados por essa força agressiva.

Rose consegue fugir do marido agressor e durante todo o livro acompanhamos a sua desesperada fuga angustiante. A todo momento ela se questiona se o marido não estará a perseguindo, pois é um policial bem treinando, e essa tensão contínua nos leva a sentir o pânico crescente que domina a vida fugitiva de Rose. Finalmente, ela encontra um abrigo para mulheres que foram agredidas e lá inicia uma nova vida, longe do marido possesso. Rose reúne força suficiente para o momento fatídico do reencontro com o marido. Nesse ponto, notamos uma diferença alarmante entre a protagonista de Rose Madder e de Love. Lisey, a esposa dedicada de LOVE, descobre o amor desesperado que sentia pelo marido apenas após sua morte, diferente do marido de Rose, Scott acaba se tornando a chave para um universo paralelo que irá ajudar Lisey a enfrentar o processo de luto e a vida de viúva.

Universos paralelos são abordados por King em praticamente todas suas obras, essa concepção de outras dimensões fica clara na saga “A Torre Negra” em que o autor esmiúça em 7 volumes a existência de várias dimensões temporais que estão interligadas. Em Rose Madder esse universo paralelo pode ser identificado através do quadro que a protagonista Rose compra para decorar seu novo apartamento em sua nova vida. O quadro não tem nada de atrativo, conforme os outros personagens do romance relatam é uma pintura estranha e bizarra. Uma mulher vestindo vermelho, olhando para ruínas em um campo gramíneo aberto. A interação de Rose com o quadro ganha aspecto sobrenatural quando ela passa a sonhar que está dentro da pintura, a partir dos sonhos Rose experimenta um novo tipo de realidade, o universo dentro da pintura. Nesse ponto, o romance ganha seu caráter fantástico, a introdução desse elemento incomum torna a história abstrata, em alguns momentos causando certo incômodo com as descrições tensas das emoções da protagonista. Stephen King consegue fazer isso com maestria em todas suas obras, narrar com precisão os efeitos dos sentimentos de deslocamento, pânico, pavor e angústia. Rose viaja através do quadro para consertar algo em sua vida real, juntar os cacos de um passado negro, se tornar forte e se redescobrir. Nessa outra dimensão ela se torna outra Rose, mais forte e segura, capaz de enfrentar o marido agressor quando ele a encontrar. De fato, há o reencontro ao fim do livro e Rose consegue, através da ajuda dos elementos do quadro, derrotar o marido, mais que isso, consegue enterrar definitivamente as dores e fantasmas de seu passado.

Em LOVE- a história de Lisey a presença desse universo paralelo se dá a partir da figura do marido da protagonista Lisey. Scott é um escritor muito criativo, há traços autobiográficos na composição desse personagem (em muitas passagens vemos o próprio King nele) que acaba inventando um lugar para ir quando precisa de inspiração. Até então, não vemos nada de incomum no fato de Scott ter um refúgio criativo em sua mente, porém, à medida que Lisey passa a revisitar seu passado, a rememorar o dia fatídico da morte do marido e toda a vida a dois, começa a encontrar pistas sobre o refúgio de Scott.

O lugar se torna o elemento sobrenatural da história, junto com Lisey descobrimos um passado negro na infância de Scott, repleto de ‘bools’ de sangue e com a presença tenebrosa do ‘garoto espichado’. O garoto espichado se torna o principal elemento que mantém o suspense e o horror da história. As duas vezes que Scott esteve frente a frente com a morte ele dizia ver o garoto espichado se aproximar. Nesse universo paralelo não há uma forma material de se viajar, como acontece em Rose Madder com a introdução do quadro, no universo paralelo de LOVE a viagem é puramente mental. Isso nos leva a pensar em outra obra mais popular de King, “O Iluminado”, em que a presença de outras dimensões se dá também através do movimento psicológico, há a presença material do Hotel Overlook, mas notaremos em “Doutor Sono” que as dimensões paralelas vão além do Hotel, elas se dão em um âmbito mais psicológico. Porém, as próximas análises se aprofundaram nessas duas obras fantásticas “O Iluminado” e “Doutor Sono”, portanto, não irei me delongar falando sobre elas no momento.

Tanto em Rose Madder como em LOVE notamos o movimento passado-presente na vida das protagonistas. Rose quer enterrar e superar seu passado sangrento ao lado do marido violento e possesso enquanto Lisey precisa revisitar toda sua história com Scott em busca de respostas que só vieram à tona após a morte do marido. Ambas histórias nos mostram a forma como mulheres comuns, quebradiças, cheias de traumas e paranoias conseguiram superar seus medos e se tornaram fortes pelo simples fato de encararem os monstros de suas vidas.

O que mais fascina nas histórias contadas por Stephen King é que tais monstros nem sempre veem nas formas de horripilantes criaturas, fantasmas, demônios, embora o autor utilize de tais recursos em muitas histórias, ele consegue trabalhar os monstros abstratos que existem nas vidas de todos nós. Ao abrir uma história escrita por King, tenho certeza, a maior parte das pessoas se reconhece ali em algum momento, nem que seja apenas em momento curto de pânico e desespero, de incertezas e traumas ou, quem sabe, até mesmo na fúria possessa e inexplicável dos personagens que padecem da "coisa ruim". Ele escreve sobre o horror da aventura humana, sobre os monstros que cada um de nós trazemos interiormente e com os quais precisamos lutar diariamente. É assim que ele construiu as duas narrativas aqui brevemente analisadas, ao fim das duas obras podemos respirar aliviados por Rose e Lisey, e até chegamos a acreditar em algum momento que tal como elas também poderemos lidar com nossos próprios fantasmas do passado e do presente. 
Larissa Prado
Enviado por Larissa Prado em 03/05/2016
Reeditado em 20/08/2017
Código do texto: T5624414
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