LEITURA CRÍTICA: PELO PROFESSOR CARLOS UCHÔA
 
Acabei de ler o seu livro de contos “Os paralelepípedos da Vila Mimosa”. Quero enfatizar, logo de início, que não sou crítico literário, nem mesmo professor de Literatura, mas linguista, linguista que sempre manteve, ao longo da sua atividade no campo da ciência da linguagem, o mais vivo interesse pelo discurso literário, praticamente não considerado por certas correntes da Linguística contemporânea.

Não se pode ignorar que a linguagem literária não é um uso linguístico entre outros, mas a realização de todas as possibilidades da linguagem como tal. Vale dizer, a linguagem literária representa a plena funcionalidade da linguagem, acolhendo não só o que é dito pelos mais diferentes falantes de certa língua (nos discursos do narrador e das personagens), mas também o que não é dito, contanto que sejam formas previsíveis pelo sistema da língua. Lembremos, ao acaso, o poema Eterno, de Drummond, que, ao evocar conceitos vários de eterno, se vale de palavras não dicionarizadas, mas perfeitamente previsíveis pelo sistema da língua: eternalidade, eternite, eternaltivamente, eternuávamos, eternissíssimo. A língua não é, assim, apenas uma variedade de normas, firmadas pela tradição, mas um conjunto de possibilidades, ou seja, inovação. Sem a compreensão dessas possibilidades, a leitura sobretudo de muitos textos literários fica de todo prejudicada.

Portanto, meu caro Alexandre, é como leitor, velho leitor de textos literários, e apenas nesta condição, que ouso tecer algumas observações sobre o seu livro de contos.

Foi sua linguagem, obviamente, que me chamou logo a atenção. O narrador a sustentar o seu discurso, no correr de quase toda a sua obra, sem dar voz às personagens. Uma opção estética sua, concretizada com maestria, com seguro domínio dos recursos expressivos da língua nas mais várias situações discursivas criadas. A fala espontânea de umas poucas personagens pode ser flagrada, por exemplo, nos contos ”Rolé”, “ Dona Gioconda” e “Vox”, a começar pelo uso de temos gírios, próprios também do nível social do falante (“- Teixerinha, liga o carro, vamos vazar daqui, vamos vazar! ”; “ Eu só quero encontrar uma mulher que aconteça, Dr.! ”).

Você nos brinda, como narrador, com uma prosa densa, em que se vale de muitos termos fortes, semântica e fonicamente, bem adequados ao clima retratado (“ Estrada de luxúria decadente”). Os parágrafos, quase sempre não longos, como uma necessidade do narrador de conter um pouco a sua contundência de falar das personagens, da situação em que vivem (ou sobrevivem), enfim, da miséria humana, para talvez o leitor sentir mais forte que” tudo era um vácuo inútil, um imenso buraco negro que o {uma das personagens} sugava lentamente, sem trégua. ”

Na primeira orelha do livro, são os leitores informados de que “ Cada conto que compõe este livro nasce de um laboratório real a que o autor se submeteu, mergulhado no universo da zona boêmia, visitando recantos decadentes do Rio de Janeiro e observando de perto personagens que se entregaram à degradação. ” Segue, pois, o autor uma linha de narrativa literária que a Literatura Brasileira contemporânea já nos deu representantes de inegável valor, lembrando aqui apenas a João Antônio, embora numa linha estética bem diversa da “Os paralelepípedos da Vila Mimosa. ”

Após ler estes contos de Alexandre Coslei se renova no leitor a sensação de que a literatura, por ser arte, arte da palavra, mesmo ao retratar um mundo de decadência, um dejà-vu que “atormenta, tudo parece irreal. É a solidão...”nos pode propiciar uma visão de beleza, pelo trabalho altamente elaborado por parte do escritor. Afinal, a finalidade preponderante de toda obra literária é a de manifestar uma espécie de conhecimento emotivo, que é o conhecimento estético, para nele envolver o leitor, iludindo-o com uma realidade que é produto de criatividade refinada, própria de uma obra de arte.
Carlos Uchôa
Enviado por Alexandre Coslei em 29/04/2016
Reeditado em 29/04/2016
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