ANÁLISE HISTÓRICO-LITERÁRIA DO ROMANCE A BALAIADA, DE VIRIATO CORRÊA
A Balaiada: romance histórico do tempo da Regência, de Viriato Corrêa, como o próprio nome denomina, é um romance histórico que narra a história da cidade de Caxias e seus arredores, quando estava prestes a sofrer um ataque dos Balaios. A Balaiada foi uma revolta popular ocorrida no Maranhão entre os anos de 1838 e 1841. Grande parte da população pobre do estado, em sua maioria escravos e sertanejos, era contra o monopólio político de um grupo de fazendeiros da região. Estes fazendeiros comandavam a região e usavam a força e violência para atingirem seus objetivos políticos e econômicos.
O autor conta que resolveu escrever esta história pelo fato de que até então a história da Guerra da Balaiada ainda não tinha sido escrita pelo viés da literatura, e que desse modo ajudaria a difundir fatos históricos e tornar o povo conhecedor de sua própria história.
Este romance pode ser considerado histórico, vez que em sua tessitura faz uso de elementos da realidade como cenários, figuras e fatos reais. Como cenário o autor utilizou as descrições do espaço a cidade de Caxias (MA).
“Era no Largo dos Remédios, um velho casarão de fazenda, acaçapado, de janelas verdes, o peitoril voltado para o sossego da praça. A igreja ficava fronteira, com suas torres brancas onde dormiam as andorinhas, o negro cruzeiro à frente, com ovelhas repousando ao pedestal. Em quadrado as habitações: casas de telha, casas de palha, todas baixas, caídas, esboçando-se à luz da lua por entre copas de mamoranas. Para além, a elevação do Morro do Fidié, com casinholos à fralda.” (CORRÊA, 1996, p.24)
Neste trecho da narrativa o autor faz uma relação entre a ficção e elementos não-ficcionais, pois ao tempo em que descreve a localização da casa do personagem Josino, que é parte de sua criação, insere elementos reais pertencentes ao espaço geográfico da região. A região não será descrita como faria um geógrafo ou um historiador que apenas quisesse demarcar o local em que as cenas irão acontecer, mas para uso de questões literárias
Segundo Freitas (1986) existem três tipos de elementos especificamente históricos em um texto: os acontecimentos que constituem a ação central e o conjunto de informações gerais sobre a situação histórica; uma análise dessa situação específica e reflexões sobre a História em geral.
No que diz respeito ao acontecimento central deste romance podemos observar que a ficção permeia a História, observe:
“Naquele começo de 1839 a Província do Maranhão dava o aspecto de uma bomba cujo estopim está chiando para estourar. Estava-se no período revolucionário da Regência, a grande fase histórica do Brasil. Das fases históricas do Brasil foi a Regência a mais curiosa e a mais brasileira, por ter sido aquela em que se firmou definitivamente o cunho da nossa nacionalidade.” (CORRÊA, 1996, p.33)
O autor reproduz em seu romance elementos que permitem e estabelecem a ligação da narrativa ao referente extratextual histórico. Ou seja, é possível situar a obra no tempo da narrativa de acordo com o período histórico. Ainda no que diz respeito à construção do cenário da narrativa o autor revela forte intimidade com outros espaços da cidade de Caxias, pois durante a narrativa insere a Igreja de São Benedito, Praça dos Remédios, Ladeira da Cruz, o Morro de Fidié, Trisidela e Porto do Pombal.
Outros fatores que também tornam a narrativa verossímil é a presença de grupos partidários Bem-te-vis, que eram os liberais, e os Cabanos que nessa época governavam. Tal nomenclatura para os partidos políticos realmente existiu nesta região do Maranhão. Como também a personagem Coronel João Paulo Dias Carneiro, era o prefeito da cidade, e tinha dois filhos José Dias e Francisco Dias Carneiro, o prefeito ainda tinha um irmão bastardo Severiano Dias Carneiro. Outros personagens reais que são possíveis de localizar na obra são: Ricardo Leão Sabino, era considerado um conhecedor de guerra porque foi voluntário do exercito de Portugal, Raimundo Gomes, Pedro de Moura, Alexandre Siqueira (pertencia ao esquadrão da cavalaria e também negociante), Dr. Miranda (médico mais antigo da cidade), Miguel Beleza – o coletor, Fernando Mendes de Almeida, Chico Pedro (professor público e medroso), Dr. Gonçalo Porto ( advogado). Quanto ao grupo dos balaios havia como personagens históricos o Balaio, o Ruivo, Coque, Mulunqueta, Milome, Pedro de Moura e sua prima Carlota de Aquino.
O pano de fundo da narrativa terá força simbólica, até aparecerem as personagens que nascem no plano ficcional, formando um todo com o ambiente. Logo os desejos das personagens vão produzir acontecimentos. A paixão de Josino por Quiquita com o apoio e intervenção de Rosa Maria da Conceição (escrava forra e já idosa), dará toda a movimentação da narrativa ficcional. Quiquita que por sua vez não correspondia à paixão por Josino, pois a mesma já estava encantada por Seu Di. Porém Seu Di tinha um envolvimento com Chinoca, mulata muito bela e apaixonada por ele. Esses desencontros amorosos ocasionarão os acontecimentos da narrativa ficcional.
“Agora que a afeição lhe tomava a alma toda e que pensava em casar-se, não sentido coragem de falar diretamente à rapariga, pedir à Rosa que a sondasse. Mas nunca lhe passou pela cabeça que Quiquita o repelisse. Como toda paixão concentrada, a sua era delirantemente imaginosa. Desde o primeiro momento, na exaltação da fantasia, tinha a Quiquita como sua, inteiramente sua, de corpo e alma. Era o fruto ambicionado que assistia sazonar, e que sazonava ao calor e ao carinho de seus olhos, fruto doirado e saboroso e seu, e muito seu, dependendo apenas de estender o braço e colhê-lo.” (CORRÊA, 1996, p.26)
Com o trecho acima podemos verificar que o romance A Balaiada, de Viriato Corrêa, é narrado em terceira pessoa, narrador observador, e com predominância do discurso indireto livre. Neste trecho podemos perceber que o narrador descreve os sentimentos da personagem Josino em relação à Quiquita. E quando relata que Quiquita era “fruto ambicionado a que assistia sazonar” revela o enorme desejo da personagem em possuir seu “objeto”. Este desejo e a necessidade de satisfazê-lo é que dará todo o desencadeamento da história. Para concretizar seu sonho Josino alia-se a Chinoca, e ainda envolve-se com a mesma de forma rápida, sem que ambos percam o foco. Outras personagens da ficção são os pais de Quiquita que são capitão Inocêncio e D. Marocas, os pais de Josino Major Juvêncio Moura e D. Angélica e a irmã de Josino: Trindade – personagem redondo.
Para Zilberman (1997), a narrativa histórica, ao contrário da crônica, nos revela um mundo putativamente “acabado”, terminado, encerrado, e, no entanto, não dissolvido, nem destruído. Nesse mundo, a realidade veste a máscara de um sentido, completude e inteireza que somente podemos imaginar e nunca experimentar. Neste sentido, a narrativa de Viriato Corrêa pode ser considerada uma tentativa de mostrar aos leitores o outro “lado” da história, já que geralmente encontra-se nos manuais de história a explicação das causas da guerra dos balaios e suas consequências. Estes manuais relatam apenas um ponto de vista, limitando a percepção de outras questões dos leitores.
Distanciando-se deste olhar, o autor tenta demonstrar os possíveis sentimentos e reações da população da cidade de Caxias antes e durante o ataque dos balaios. Observe o trecho a seguir:
“A primeira refrega tinha realmente enchido a cidade de um pânico terrível. Quando, ao clarear da manhã chuvosa, se ouviram os primeiros disparos dos atacantes, toda a gente acordou numa surpresa e num susto. Parecia que, até aquele momento, ninguém havia acreditado que a cidade pudesse sofrer o assalto. E tudo se transformou em uma confusão estonteante. As casas abriram-se assustadas. Mulheres corriam pelas ruas gritando como se pudessem encontrar salvação nas ruas. Outras atiravam-se aos oratórios, de joelho,clamando, implorando, abraçadas aos santos, desmanchadas em lágrimas e brados. Crianças berravam tontamente nas esquinas, querendo correr, querendo fugir, agarradas às saias das mães. A soldadesca recruta, diante do clamor da desordem, teve o ânimo fraquejante. (CORRÊA, 1996, p. 86)
Os episódios fictícios narrados paralelos a narrativa têm sempre uma ligação com a situação histórica. Para Freitas (1986) isso significa que a ficção depende até certo ponto da História. Submetidos à realidade comprovada, supostamente conhecida, esses episódios são mais ou menos previsíveis. Visto que no final do romance Josino não consegue realizar seu desejo de separar Quiquita de Seu Di e ainda envolve a família em uma desgraça, a irmã é possuída pelo Balaio e o trágico episódio do leitão enfiado vivo na barriga de Juvêncio, pai de Josino. Nesse sentido podemos afirmar que a obra aqui em questão tem um valor histórico relevante, pois a mesma esclarece ilustra e representa a História sem deixar com que a narrativa ficcionalizada perca o sentido.
REFERÊNCIAS
CORRÊA, Viriato. A Balaiada: romance histórico do tempo da Regência. 2. Ed. São Luís: EDUFMA,1996.
FREITAS, Maria Teresa de. Literatura e história: o romance revolucionário de André Malraux. 1 ed. São Paulo: Atual, 1986.
ZILBERMAN, Regina. Romance histórico, história romanceada. In: Aguiar Flávio (Org.). Gêneros de Fronteira: Cruzamentos entre o histórico e o literário. São Paulo: Xamã, 1997.
Almiranes Silva,
Kelly Cristina,
Regilane Maceno,
Walken Vasconcelos.