EU E XISTO
Ao ser apresentada ao texto “A importância do ato de ler” do ícone da pedagogia Paulo Freire e adentrar em sua leitura de mundo que precede a leitura da palavra, não me ocorre uma leitura de mundo da primeira infância como a relatada pelo autor. Na verdade meus primeiros passos diante da tal leitura me vêm à mente quando já estava na antiga 5º série do Ensino Fundamental.
Lembro-me do primeiro livro “obrigatório” que tive que ler, juntamente com toda a turma, “As Aventuras de Xisto” da série Vaga Lume. Um livro de 134 paginas, portanto, grosso, chato e enfadonho para uma criança de 11 anos.
Ao lê-lo mergulhei fundo nas peripécias de Xisto e seu leal escudeiro Bruzo,com seu livro de magia em busca de livrar o reino dos temidos bruxos. A cada página virada eram-me apresentados aventuras, nas quais, a mente ávida de uma criança criada na periferia longe de televisão a cores e walkman - sonho de toda criança ouvir “Não se reprima, dos Menudos” em fita K7 a caminho da escola - eram substituídos pelo mundo mágico de Xisto.
Nos dias que se seguiram os buracos da rede de esgoto, cavados nas ruas com grandes pás mecânicas, enviadas pela administração de minha cidade em instantes, viravam Ogros, castelos e árvores falantes que eu deveria lutar e vencer.
Á noite as crianças se reuniam dentro dos buracos e divertiam-se brincando de pique esconde e salve cadeira. Em meio a construção de minha amada cidade nosso campo de futebol virou depósito de poste de luz no mesmo instante em que eu percebia que era capaz de criar e vencer os medos e anseios próprio de criança.
Dei-me conta que pela primeira vez podia pegar um ônibus sozinha e ir à escola sem ajuda de um adulto. A princípio o medo de errar o caminho ou pegar a condução errada trouxe-me a um estado de pânico repentino, contudo, o meu Xisto interior era destemido, valente e desbravador. Enfrentei o desafio e sai vitoriosa quando desci a porta da escola.
As aventuras de Xisto deram lugar para Xisto no espaço e o Pássaro cósmico assim como a 5ª série deu lugar para a 6ª. O grande espaço aberto pela magia do conto foi apenas a porta de entrada para o que viria. As aulas de história foram recheadas com a origem da civilização grega, egípcia e persa onde o encantamento gerado por seus mitos cativou completamente meu interesse pelo conhecimento.
Tais aulas atingiram o patamar da própria origem do povo brasileiro onde meu desempenho era aprimorado pelo Júri Simulado da Professora Mirtes.Eram feitos no quarto bimestre onde a turma se dividia em dois grupos. Cada grupo defendia um tema “O primeiro e o Segundo Reinado”.Escolhíamos um juiz, um promotor , o advogado de acusação o de defesa, as testemunhas e os réus. Criávamos fantasias e seguia uma bateria de acusações e defesas para avalizarmos qual reinado era digno de liberdade e qual a prisão. Eu sempre era escolhida como advogada de acusação por minha facilidade de lembrar os fatos ocorridos em ambos os reinados. Falávamos 30 minutos buscando todos os fatos que poderia condenar o 1º Reinado regido por D. Pedro I e defendia o 2º Reinado com a libertação dos escravos.
Assim foi minha leitura do mundo e a apropriação do conhecimento. Hoje galgo a estrada de meu Xisto interior com meu livro na mão, errante pelo mundo, levando meus alunos a lugares onde suas mentes possam ser cativadas e alfabetizadas para assim viverem, agirem e interagirem no mundo mágico chamado vida.