Não sou de empreender releituras de livros. A não ser, muito raramente, quando eles me capturam pelo irrefreável interesse de querer esmiuçar a sua construção, quando me enredam na obsessão hipnótica pela trama que os compõem. Não nego, é difícil acontecer, mas fui irremediavelmente seduzido pelo Outro lado da sombra, de Mariana Portella, Ed. Rocco: 2014.
 
Coslei, você já indicou esse livro! ” – Alertaria, agora, algum camarada afoito.
 
Sim, eu indiquei. Mas ocorreu me redimir numa errata indispensável. O romance da Mariana não deveria somente ser indicado, ele precisa ser receitado como uma espécie de emplastro para uma literatura combalida e desviada do seu mais valioso significado. Qual o significado? Leiam o “O outro lado da sombra” e voltem para me responder.
 
Rotulam o “O outro lado da sombra” como o romance de estreia da minha colega. Estreia é a única palavra que não combina com o que a Mariana escreve. Uma narrativa madura, que deixou boquiabertos os meus cabelos brancos; um enredo arquitetônico, que nos mantém numa expectativa que faz da próxima página um apelo irresistível; a escolha difícil da voz em primeira pessoa, uma voz que segue firme e incontida até o seu último ponto.
 
Não faço aqui uma resenha, apenas me dei a oportunidade para expressar comentários esparsos, frutos da segunda leitura que fiz do romance. Tenho acompanhado a literatura feminina mais recente que vem brotando por aí e não vejo muitas variações, se comparadas com a masculina. Tropeço em escritoras simplórias, toscas; outras que são boas vendedoras; algumas que já nascem pedantes; e umas poucas com talento, mas que, às vezes, praticam um existencialismo obsoleto e vazio.
 
Quando esbarrei com a Mariana, percebi logo que ela não se encaixava em nenhuma das definições anteriores. Por quê?   Ela guarda um amor pela palavra, pelo cuidado na composição, pelo som que nos envolve, pela delicada costura dos personagens. Mariana se importa com a alma pulsante e necessária que ergue a perenidade da obra.
 
Não é à toa que, ao abrirmos o livro, nos deparamos com a orelha escrita por Nélida Piñon. Regalia para poucos. Não foi à toa que o romance é um forte candidato a faturar o Prêmio São Paulo em 2015.
 
Pelas Redes Sociais, cultivo um círculo de autores que me despertam curiosidade, mas a verdade é que são poucos os que conseguimos manter contato. Não se deflagra um real interesse mútuo. Na Mariana, encontrei uma pessoa atenciosa e acessível. A despeito da juventude, demonstra ser dona de uma inteligência sofisticada e de uma sólida cultura. O melhor tempero em tudo isso? Ela exala uma simpatia e uma generosidade que nos faz cativos. Quando temos o privilégio de manter contato com um autor pelo qual nos empenhamos na leitura, fica mais fácil confirmarmos o conceito que criamos sobre ele.
 
O outro lado da sombra” trouxe charme à minha estante. Porém, ainda resta um vazio: o autógrafo que fará da minha biblioteca uma herança de valor inestimável, autógrafo que já comecei a mendigar da belíssima escritora. 
Alexandre Coslei
Enviado por Alexandre Coslei em 03/11/2015
Reeditado em 04/11/2015
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