Coração Selvagem- Belchior
Antônio Carlos Belchior, um estudante de medicina, que um dia largou tudo porque o chamado da arte gritou mais alto ao seu ouvido, e de violão em punho, largou o Ceará, e veio para o sul, onde as coisas aconteciam.
Não exagero quando o comparo aos grandes da MPB, como Chico, Tom, Caetano, Gil, Milton...e as vezes em voos mais elevados, e que um dia chamaram a atenção da Elis ( A Pimentinha), e que dele gravou várias canções,como ; Retrato 3x4, Mucuripe, Como nossos pais...Pois é, justamente daquele jovem introspectivo, com um baita bigode escovão, e um nariz de dar inveja a qualquer francês, e com uma voz grave, e de estilo incomum.
Dele separo " Coração selvagem", composição que fez aos vinte e nove anos, quando o seu coração estava mais selvagem do que nunca, mas não do tipo que "arrebenta quarteirão ", não, longe disso, mas fervendo de emoções, conflitos, selecionando tudo e todos, buscando caminhos alternativos, meio "James Dean" do agreste, enfim, se preparando inconscientemente para o recluso que viria a ser; " Não me sigam porque eu não sou novela".
" Meu bem, guarde uma frase pra mim, dentro da sua canção
Esconda um beijo pra mim, sob as dobras do blusão
Eu quero um gole de cerveja no seu copo
No seu colo, e nesse bar
Meu bem, o meu lugar é onde você quer que ele seja
Não quero o que a cabeça pensa,
Eu quero o que a alma deseja
Arco-íris, anjo rebelde, eu quero o corpo
Tenho pressa de viver
Mas quando você me amar
Me abrace e me beije bem devagar,
Que é para eu ter tempo ,
Tempo de me apaixonar,
Tempo para ouvir o rádio no carro
Tempo para a turma do outro bairro
Ver e saber que eu te amo
Meu bem, o mundo inteiro está naquela estrada
Ali em frente,
Tome um refrigerante, coma um cachorro-quente
Sim, já é outra viagem
E o meu coração selvagem
Tem essa pressa de viver
Meu bem, mas quando a vida nos violentar
Pediremos ao bom Deus, que nos ajude
Falaremos para a vida; Vida, pisa bem devagar
Meu coração ,cuidado é frágil
Meu coração é como vidro, como um beijo de novela,
Meu bem, talvez você possa compreender a minha solidão
O meu som, e a minha fúria, e essa pressa de viver
E esse jeito de deixar sempre de lado a certeza,
E arriscar tudo de novo com paixão
Andar caminho errado pela simples alegria de ser
Meu bem, vem viver comigo, vem correr perigo
Vem morrer comigo, meu bem, meu bem...
Talvez eu morra jovem;
Alguma curva no caminho,algum punhal de amor traído
Completará o meu destino, meu bem...
Esta bela canção foi recentemente trazida a pública pela Ana Carolina, e quando a voltei a ouvir, fiquei arrepiado, e olhe que hoje não é tudo o que consegue me emocionar, mas a Ana a interpreta com sentimento, como o próprio Belchior costuma fazer.
Tive a sorte e acaso ,de um dia a trabalho, em meados dos anos noventa, me ver diante do palco desse magnífico artista, e vê-lo ali sentado num banquinho, dedilhando o violão, e cantando aquelas canções da minha juventude, de olhos fechados, mergulhando fundo no sentimento, e me parecer por alguns instantes ,com o seu "coração selvagem", e entendê-lo plenamente.
Há um sentido amplo de vida, que nos faz pensar, do que vale a pena e do que é apenas passageiro, e intensificar as coisas e os momentos, num exercício cuidadoso e constante .
Hoje Belchior se fechou para a mídia, esta no Uruguai , numa pequena cidade onde é amigo até do prefeito, onde pode caminhar pelas ruas sem movimento, falar com as pessoas simples, que nem sequer imaginam quem ele é, desenhar, pintar, fazer suas escritas e compor, que continua sendo uma paixão. Às vezes faz algumas apresentações "caça níqueis" nas cidades vizinhas, meio intimista, e vai vivendo junto a Edna, a sua companheira de muitos anos.
Os convites para Shows chegam todos os dias, e ele sequer abre as cartas, que se empilham e depois vão para o cesto de lixo.
Confesso, que o invejo, no bom sentido é claro, e por enquanto tento domar o meu "Coração selvagem".