Traduzir-se- Ferreira Goulart
"Traduzir-se " é um lindo poema do nosso querido poeta "Ferreira Goulart", maranhense de "São Luis", e que hoje já está bem idoso, com oitenta e cinco anos, mas todavia na ativa.
Uma parte de mim é todo mundo
Outra parte é ninguém , fundo sem fundo
Uma parte de mim é multidão
Outra parte estranheza e solidão
Uma parte de mim, pesa e pondera
Outra parte delira
Uma parte de mim, almoça e janta
Outra parte se espanta
Uma parte de mim é permanente
Outra parte se sabe de repente
Uma parte de mim é só vertigem
Outra parte linguagem
Traduzir uma parte na outra parte
Que é uma questão de vida e morte
Será arte ?
Será arte ?
Será arte ...?
Gosto muito deste poema , ele nos diz o quanto nos questionamos , o quanto os nossos conflitos nos açoitam na incompreensão, o quanto somos complexos e inquietos, e o quanto nos cobramos injustamente e sem razão.
Gosto do estilo de Goulart , que corta o pensamento para a reflexão;
" Uma parte de mim pesa e pondera,
Outra parte delira ".
O racional e o emotivo fazem parte do ser humano ,a vontade de "chutar o balde" e devanear sem limites, de soltar a alma ao vento, de não se cobrar ,ou cobrar ao próximo o tempo todo por qualquer coisinha tola. Nos convida ao respeito , em primeiro lugar a si próprio, nos afirmando sem rodeios , que nos parecemos na essência e na busca interior.
" Uma parte de mim é permanente , outra parte se sabe de repente".
Aqui vemos o quanto o homem não se conhece, como já havia dito "Platão", que somos previsíveis enquanto não colocados ao limite, depois não mais.
" Uma parte de mim é só vertigem, outra parte ,linguagem".
Novamente encontramos a formulação do que chamamos " ser poeta", a "vertigem" que não se pode repaginar, pois é única em cada um, e completa a primeira oração ; " Uma parte de mim é todo o mundo, outra parte é ninguém, fundo sem fundo". Percebem ? A vertigem é o abismo em que o poeta mergulha sem perceber, sem controle e sem limites, o que o torna diferente no pensar. "Outra parte , estranheza e solidão".
O poeta vai para o seu canto, recolhido em suas ideias, e se afunda num oceano estranho e solitário, na sua percepção que nada tem haver com academias, conceitos ou regras estabelecidas, nasceu com ele desde o ventre. Traduzir-se é uma questão de vida e morte, é sobrevivência, é compreender-se , aceitar-se . Será arte ? Talvez seja !
PS; Conheci este poema, quando o cantor e compositor "Fagner" o musicou, no ano 1981 , e deu o título ao LP , "Traduzir-se", que é ótimo.
Muitos de vocês se lembram de "Ferreira Goulart", um homem alto e magro,de rosto bondoso ,com pesadas lentes, já um tanto encurvado pelo tempo, de longa cabeleira branca, e que vai a todas as despedidas dos literatas da sua geração, como recentemente na de Suassuna, e espero que ele se demore mais um pouco por aqui.