Livro: Lugar Comum
Editora: Pasavento
Ano: 2015
Páginas: 206
“(...) estrava na casa velha o melhor cheiro do mundo. O cheiro quente da chuva morna naquela terra sua. ” (1979 Tempestade, pág.18).
Nara Vidal não é uma autora desconhecida, já conquistou prêmios e não escapou daquele frenesi mineiro que lança seus cidadãos ao mundo. É uma escritora cosmopolita que, apesar disso, não desconectou os olhos do coração.Com esse olhar à flor da pele ela mira a nostalgia de tudo que ficou além do tempo, recordações que contêm a grandeza universal dos detalhes provincianos. “Lugar comum” é um breve tratado literário, a prova de que os homens são pequenas províncias onde nossas raízes encontram interseção em sentimentos únicos e compartilhados.
Não foi à toa que vi nos textos de Nara aquela mesma aura mítica de um Drummond. É uma prosa enxuta que não se separa da emoção e preserva a atmosfera impregnada de poesia.
Percorrendo um estilo original, que parece transitar na fronteiriça região entre a crônica e o conto, Nara jamais abandona a emotiva concisão da profundidade poética, alcançando uma força nostálgica surpreendente. Quase podemos ler “Lugar comum” como um diário perdido e redescoberto em Guarani, no interior de Minas Gerais, origem da escritora. Talvez, essa força venha do exílio voluntário que muitos escolhem para si. O corpo se distancia, mas a mente, presa às melhores reminiscências, nunca se afasta da terra em que germinou.
“Um livro da cidade e sua História, atormenta minha saudade. Fica aqui, na sala de casa, como se fosse uma corda jogada a mim do penhasco, segurando por um triz, a memória” (Lactário, pág.127).
“Lugar comum” é uma partitura de contos que se interligam numa carga espiritual indissolúvel. Com a habilidade dos grandes escritores, Nara Vidal faz da saudade e da nostalgia uma delicada liga de seda que nos mantêm amarrados uns aos outros, passando longe de qualquer vulgaridade óbvia que pudesse contaminar o tema.
“Que gosto tem a vida? ” (Antigamente, pág.111).
Em “Lugar Comum” a vida não tem só gosto, tem cheiro, tem toque, tem música, tem cor e poesia. A poesia em prosa que preenche cada um de nós.
“Testemunhei ali, na minha frente, a construção de uma lembrança. Guardei a impressão de que bem assim, vamos fazendo a vida. ” (A vista da torre, pág.57).
São tantos os casos magníficos de “Lugar Comum”, tantas catarses que o livro provoca, que foi inevitável ser seduzido pela voz feminina das páginas que folheei com tanto prazer. Falar da contínua catarse produzida pelo livro é colocar máscara em quem não deseja confessar o nó na garganta e o marejar dos olhos.
“O marido dizia que a pele não era o que queria. Queria o coração, mas este também já carregava o cansaço de si mesmo. Pensou que fosse o corpo, mas era a batida no peito que já não tinha mais vida” (A morte, pág.36).
Aos que duvidam da tal voz feminina da narrativa, neste livro ela é incontestável. Algumas vezes, como no conto “A morte”, vem acompanhada da insegurança e amargura pelas quais uma mulher interpreta a ação do tempo na degradação do corpo e a dificuldade em se desapegar da juventude.
“A casa não existe mais. Virou pó e farelo antes de dar lugar ao progresso, se não lhe falha a memória. ” (Caduquice, pág.31).
A memória que vai se confundindo com as imagens de um sonho, a vida passada que se tornou intangível diante do progresso que avança sobre as lembranças, desestabilizando essas mesmas lembranças.
“Com o coração palpitando de amor, a relevância do mundo passava longe de fórmulas e equações exatas” (Lugar comum – Ed. Pasavento, pág.114).
Cada frase promove o encontro entre os prazeres e aflições da alma, lugar comum de todos nós.
“Era câncer. Não era amor” (O sonho da padaria, pág.120).
Quando uma personagem chega a confundir um câncer com a suposição de uma desilusão amorosa, nos chocamos com o engano para logo depois refletirmos que o amor nem sempre é virtude. O equívoco justifica-se.
“Atreveu-se a mergulhar em melancolia profunda. Lá era um lugar pegajoso de ares parados. Uma desistência severa da luz de sol.” (Outono, pág.139).
Nara Vidal não está em sua primeira viagem, mas diante da quantidade de flashes perdidos com títulos que não agregam nada ao cenário editorial, os holofotes precisam iluminar com mais intensidade o talento irrefreável dessa expressiva escritora mineira.
“Lugar comum” vai muito além da proposta de uma obra literária, é aventura corajosa, um mergulho pessoal na solidão coletiva. Relata uma jornada a um passado sensorial, das coisas simples e fugazes que não explicam a fragilidade do presente e nem elucidam a vida que se esvai, mas incorpora a inquietude e a comoção que apenas a arte mais sublime é capaz de nos causar.
Editora: Pasavento
Ano: 2015
Páginas: 206
“(...) estrava na casa velha o melhor cheiro do mundo. O cheiro quente da chuva morna naquela terra sua. ” (1979 Tempestade, pág.18).
Nara Vidal não é uma autora desconhecida, já conquistou prêmios e não escapou daquele frenesi mineiro que lança seus cidadãos ao mundo. É uma escritora cosmopolita que, apesar disso, não desconectou os olhos do coração.Com esse olhar à flor da pele ela mira a nostalgia de tudo que ficou além do tempo, recordações que contêm a grandeza universal dos detalhes provincianos. “Lugar comum” é um breve tratado literário, a prova de que os homens são pequenas províncias onde nossas raízes encontram interseção em sentimentos únicos e compartilhados.
Não foi à toa que vi nos textos de Nara aquela mesma aura mítica de um Drummond. É uma prosa enxuta que não se separa da emoção e preserva a atmosfera impregnada de poesia.
Percorrendo um estilo original, que parece transitar na fronteiriça região entre a crônica e o conto, Nara jamais abandona a emotiva concisão da profundidade poética, alcançando uma força nostálgica surpreendente. Quase podemos ler “Lugar comum” como um diário perdido e redescoberto em Guarani, no interior de Minas Gerais, origem da escritora. Talvez, essa força venha do exílio voluntário que muitos escolhem para si. O corpo se distancia, mas a mente, presa às melhores reminiscências, nunca se afasta da terra em que germinou.
“Um livro da cidade e sua História, atormenta minha saudade. Fica aqui, na sala de casa, como se fosse uma corda jogada a mim do penhasco, segurando por um triz, a memória” (Lactário, pág.127).
“Lugar comum” é uma partitura de contos que se interligam numa carga espiritual indissolúvel. Com a habilidade dos grandes escritores, Nara Vidal faz da saudade e da nostalgia uma delicada liga de seda que nos mantêm amarrados uns aos outros, passando longe de qualquer vulgaridade óbvia que pudesse contaminar o tema.
“Que gosto tem a vida? ” (Antigamente, pág.111).
Em “Lugar Comum” a vida não tem só gosto, tem cheiro, tem toque, tem música, tem cor e poesia. A poesia em prosa que preenche cada um de nós.
“Testemunhei ali, na minha frente, a construção de uma lembrança. Guardei a impressão de que bem assim, vamos fazendo a vida. ” (A vista da torre, pág.57).
São tantos os casos magníficos de “Lugar Comum”, tantas catarses que o livro provoca, que foi inevitável ser seduzido pela voz feminina das páginas que folheei com tanto prazer. Falar da contínua catarse produzida pelo livro é colocar máscara em quem não deseja confessar o nó na garganta e o marejar dos olhos.
“O marido dizia que a pele não era o que queria. Queria o coração, mas este também já carregava o cansaço de si mesmo. Pensou que fosse o corpo, mas era a batida no peito que já não tinha mais vida” (A morte, pág.36).
Aos que duvidam da tal voz feminina da narrativa, neste livro ela é incontestável. Algumas vezes, como no conto “A morte”, vem acompanhada da insegurança e amargura pelas quais uma mulher interpreta a ação do tempo na degradação do corpo e a dificuldade em se desapegar da juventude.
“A casa não existe mais. Virou pó e farelo antes de dar lugar ao progresso, se não lhe falha a memória. ” (Caduquice, pág.31).
A memória que vai se confundindo com as imagens de um sonho, a vida passada que se tornou intangível diante do progresso que avança sobre as lembranças, desestabilizando essas mesmas lembranças.
“Com o coração palpitando de amor, a relevância do mundo passava longe de fórmulas e equações exatas” (Lugar comum – Ed. Pasavento, pág.114).
Cada frase promove o encontro entre os prazeres e aflições da alma, lugar comum de todos nós.
“Era câncer. Não era amor” (O sonho da padaria, pág.120).
Quando uma personagem chega a confundir um câncer com a suposição de uma desilusão amorosa, nos chocamos com o engano para logo depois refletirmos que o amor nem sempre é virtude. O equívoco justifica-se.
“Atreveu-se a mergulhar em melancolia profunda. Lá era um lugar pegajoso de ares parados. Uma desistência severa da luz de sol.” (Outono, pág.139).
Nara Vidal não está em sua primeira viagem, mas diante da quantidade de flashes perdidos com títulos que não agregam nada ao cenário editorial, os holofotes precisam iluminar com mais intensidade o talento irrefreável dessa expressiva escritora mineira.
“Lugar comum” vai muito além da proposta de uma obra literária, é aventura corajosa, um mergulho pessoal na solidão coletiva. Relata uma jornada a um passado sensorial, das coisas simples e fugazes que não explicam a fragilidade do presente e nem elucidam a vida que se esvai, mas incorpora a inquietude e a comoção que apenas a arte mais sublime é capaz de nos causar.