Bem aéreo (Parte II)
Oh, amigo leitor! É com muita alegria que lhes comunico que todos os meus três ensaios anteriores a respeito do trabalho de Marcos Andrada lhe agradaram muito (e espero que tenham lhe agradado também), tanto é que este aqui foi escrito a seu pedido após os outros terem vindo de iniciativa própria. O que, para mim, é um triunfo – saber que sou lido e apreciado por um cantor tão bom que se demonstrou tão amigável e receptivo a mim ao decorrer deste ano, compensa qualquer desventura que haja me ocorrido em mais 365 dias de peleja contra a degeneração cultural e intelectual de meus conterrâneos.
Eis que meu amigo pediu minha opinião sobre cada faixa de seu álbum “Bem aéreo”, com a banda Sereialarm, que é um dos mais bonitos já gravados – e Deus me livre de não atendê-lo! Quanto mais eu alegrá-lo, e mais pessoas prestarem-lhe tributo, melhor será; portanto, com todo o contentamento e boa vontade de meu ser escrevo mais detalhadamente sobre este álbum feito para curar qualquer ferida da alma. Queiram acompanhar meu raciocínio.
O álbum inicia com a faixa-título, “Bem Aéreo”: bastante lenta, suave, um tanto quanto triste mas não daquela tristeza negra da Depressão; uma tristeza introspectiva e contemplativa, diria eu, daquela que faz-nos entregar os pesares aos poderes curativos da Natureza – o que é um tema bastante onipresente neste álbum, como já disse.
“Miragem” já transporta o ouvinte a paragens mais alegres – estando ele triste, como indicado pela faixa anterior, agora é tomado pela mão e convidado a sair numa colorida viagem em meio às galerias da sabedoria primitiva. (Poderia até fazer uma bela analogia com o famoso arquétipo do “bom selvagem”, mas sou escritor e não filósofo.)
“Vênus Chegou” é uma faixa majestosa, expansiva, de fato servindo de mensageira de Vênus – o planeta ou a deusa romana? Tanto faz; pode até ser que um traga o outro dentro de si.
“Ausente” é morna, carregada de positividade, cantando sobre um doce devaneio no qual a Realidade não pode mandar – só as belezas da Natureza, mais uma vez, é o que existem. Em seguida, “Solarium” imita o nascer do Sol, e seu zênite no céu, iniciando devagar e depois explodindo em radiância, ensinando-nos sobre o eterno retorno das coisas. O Sol nasce, e se põe, sem falha, todo dia, trazendo-nos tanto coisas boas quanto ruins – mas também uma nova leva de sonhos e esperanças!
Chegamos à metade do álbum com “Vista o Mar”, uma canção cristalina e transparente como água – semelhante a “Ilhas”, do “Filme da alma”, impossível não lembrar-se de uma linda praia, a diferença sendo que “Ilhas” tem uma estética noturna enquanto esta é mais diurna. Logo após, “Noite Viver” marca exatamente uma transição do dia para a noite; imagino eu que o violão queira emular as estrelas que começam a aparecer cintilando no céu.
“Repousa o Grande Céu”, continuando com a estética noturna da faixa anterior, muda o percurso do passeio para noite adentro; só as estrelas e as luzes da cidade ao longe brilham enquanto tudo descansa, menos nós, seguindo em nossa jornada. Em verdade, considero esta faixa e as próximas duas componentes de uma trilogia, pois “Solidança” demonstra a solidão e a pequenez do eu lírico (projetado no ouvinte) ante o vasto céu, e seus medos e inseguranças começam a brotar novamente até que ele tire um tempo para meditar e reencontrar suas forças em “A Hora Mágica”.
Fechando a jornada, “Força do Amanhã” é um hino à perseverança e à esperança; uma profusão de bons sentimentos – e tudo se dispersa numa torrente de luz em “Dispersar em Vaga-Lumes”; estamos limpos, purificados, e tudo se encerra como na “Commedia” de Dante, com o ouvinte contemplando uma profusão de luz.
E é este “Bem aéreo”! Um álbum salutar, genuíno, repleto de beleza e sensibilidade que explode em luz. E não só isso, ainda possui propriedades curativas – coisa que pouquíssimos podem gravar nos dias de hoje. Sinto-me abençoadíssimo de conhecê-lo e escrever a seu respeito, tendo a certeza de que faço muito bem não só pelo meu amigo como a vários leitores que se surpreenderão caso acatem meus conselhos.
(São Carlos, 28 de dezembro de 2021)