Análise sobre o filme: "As Bruxas de Salém"

Ficha técnica

Titulo original: The Crucible (1996)

Gênero: Drama

Direção: Nicholas Hytner

Roteiro: Arthur Miller

Elenco: Bruce Davison, Daniel Day-Lewis, Joan Allen, Paul scofield, Rob Campbell, Winona Ryder.

Produção: David V. Picker, Mitchell Levin, Robert. A. Miller

Fotografia: Andrew Dunn

Trilha Sonora: George Fenton

Duração: 124 min.

Sinopse

Em 1692 em Salém, numa pequena comunidade puritana do estado de Massachusetts, um grupo de garotas adolescentes e uma escravizada africana são surpreendidas pelo reverendo Parris (Bruce Davison), líder religioso local, quando praticavam, em uma floresta, atos de magia negra (beber sangue, dançar nuas, pedir a morte de alguém). Após, inexplicavelmente duas das jovens ficam paralisadas, catatônicas, por isso são tidas como possuídas pelo demônio.

Consequentemente, todas as jovens são acusadas de “fazerem o trabalho do demônio”. Parris resolve pedir a ajuda do reverendo Hale (Rob Campbell), um especialista no assunto de demônios, para resolver o caso. Hale reúne todas as jovens pressionando-as para confessarem. Com medo de punições, Abigail (Winona Ryder) acusa Titubá, a escravizada africana, de a obrigar. As demais jovens seguem o exemplo, então Titubá, sob castigo, assume a acusação e pede remissão. Todas as jovens fazem o mesmo.

Durante a pressão, elas acusam de terem visto párias da comunidade, inicialmente bêbados e mendigos, de “estarem com o demônio”. Logo, tudo se torna um ato de oportunismo e vingança, instaurando um estado de histeria generalizada em toda a comunidade. Diversos tipos de pessoas são acusadas de bruxaria pelas jovens, principalmente aquelas que não acreditam nas garotas. Assim, uma espécie de tribunal inquisidor é instaurado no local para apurar as acusações e uma verdadeira “caça as bruxas” começa.

Então, Abigail acusa Elizabeth Proctor (Joan Allen) de praticar atos de vudú contra ela. Elizabeth é a pessoa a qual Abigail pediu sua morte no ritual de magia e é esposa de John Proctor (Daniel Day-Lewis), com quem Abigail tivera um caso amoroso. John começa uma difícil luta para livrar sua esposa da condenação. Por mais que apresentasse provas e testemunhos da idoneidade de sua esposa, inclusive constrangendo uma das jovens a assumir a falsidade das acusações, e sendo apoiado por Hale, era uma luta sem sentido.

O único testemunho aceito como válido para o tribunal eram as encenações das jovens. Expressões que envolvia desmaios, visões e dores que eram suspostamente causadas pelos acusados. Uma a uma as vítimas dessa histeria em massa veem as suas vidas e as suas famílias completamente destruídas, entretanto as pessoas começavam a perceber a verdade.

Avaliação pessoal.

Avaliar do ponto vista psicológico atual um evento histórico de séculos atrás é uma tarefa que rende algumas dificuldades, uma vez que conhecer seguramente a mentalidade religiosa da época e como isso refletia na consciência das pessoas é praticamente impossível.

Entretanto, o filme foi produzido com essas mesmas dificuldades, pois fora baseado numa peça teatral escrita nos anos 50, por Arthur Miller, que por sua vez baseou-se num fato histórico do século XVII. Assim, para entender essa mentalidade seria necessário participar daquela vida, porem uma avaliação de dentro daquele universo não seria isenta de seus próprios pressupostos, do mesmo modo que é impossível que uma avaliação externa seja isenta de pressupostos externos.

Todavia, cabe dizer que não estamos avaliando diretamente os fatos históricos mas aquilo que o filme nos apresenta com todas as dificuldades já citadas, sendo que o próprio filme já se configura uma interpretação mais ou menos atual dos fatos.

Do ponto de vista psicológico, vemos um comportamento ostensivamente religioso, o que não poderia ser diferente em se tratando de uma comunidade puritana e de um século em que o misticismo ainda tinha forte presença na crença das pessoas, mesmo em vias do Iluminismo.

Embora a comunidade fosse regida por uma forma de vida imposta pela Cristianismo oficial da região, vemos uma anomia característica dos jovens se concordarmos com a teoria de Peter Berger, a qual expressa que muitas vezes os mecanismos de manutenção da ordem social e a afirmação de sua plausibilidade são enfraquecidos de uma geração para outra, pois nem todos os participantes de uma determinada ordem social compartilham do seu universo simbólico da mesma maneira.* No caso, as jovens de Salém, conhecendo as normas religiosas vigentes, romperam com elas para propósitos pessoais. Romperam tanto no que diz respeito ao ritual que praticaram quanto aos valores religiosos e comunitários nos quais foram iniciadas. Por outro lado, no caso dos mais velhos, esperavam que a ordem que então conheciam fosse restaurada.

O filme mostra com clareza como as convicções religiosas ditam as regras para os padrões de comportamento comunitário. A crença na existência de bruxas e de bruxarias é uma delas. O filme retrata uma das máximas daquele tempo: “é política do diabo convencer que não há diabo”, como bruxaria é do diabo, então ela deve ser real, portanto devemos combatê-la. Não é por acaso a causa da histeria generalizada daquela comunidade, pois se vê desafiada não por um abalo em suas convicções, mas pelas certezas que elas impõem, ou seja, a fé não estava sendo abalada, porém tais crenças, das quais não se tinha duvidas, provocava medo e desespero.

Por outro lado, apesar da força e da forma como a religião se impõe para determinar tanto o comportamento quanto a mentalidade de uma comunidade, não consegue fazer isso plenamente, não pode impedir que hajam rompimentos do padrão de comportamento legitimado. Isto fica claro no caso das jovens entre as quais estão a filha e a sobrinha do líder religioso. Elas, primeiramente, buscam práticas condenáveis de magia, em seguida promovem atos de maldade e de oportunismo contra seus semelhantes.

Há também um rompimento no caso de adultério de Jonh Proctor, um homem devoto e figura crítica da ordem e da liderança comunitária que escondia um pecado condenável pelas normas religiosas e, consequentemente, pela comunidade. Havia em sua consciência, portanto, um conflito social e psicológico, e isto é revelado pelo fato de o esconder até o momento oportuno.

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* Tirado de TEIXEIRA, Faustino; Sociologia da Religião: Enfoques Teóricos, Vozes, pag 228.