LSD: Dream emulator

O cérebro humano é uma das ferramentas mais poderosas projetadas pela Natureza. Por mais que seja eu ateu, considero a ideia do homem ter sido criado “à imagem e semelhança de Deus” uma bela (e até um tanto quanto poética) noção; o poder criativo do ser humano é infinito.

Podemos construir prodigiosas máquinas que trazem tanto o bem quanto o mal a nossos irmãos; no meio do nada erigimos cidades (arrasando o equilíbrio ambiental no processo) e nossa vasta produção cultural abarca milênios. Porém, sendo eu poeta, nutro um interesse mais metafísico por todas as coisas, e é com um certo desdém que contemplo o progresso tecnológico da humanidade – em minha opinião, a faceta mais interessante do cérebro é a capacidade de sonhar.

Sempre interessei-me pelos sonhos e pelas maquinações do subconsciente; qual o significado destes filmes distorcidos que rodam em nossa mente? O que teriam eles a esconder, isso se escondem algo? Carregariam portentos e presságios, como escreviam os antigos? Gosto muito de conjeturar o que meus próprios sonhos têm a dizer-me com suas paisagens surreais, monstros e construções labirínticas – a mente de Galaktion Eshmakishvili não é um lugar para os fracos. Aprecio bastante todos estes artistas que tentam replicar as imagens dos sonhos em suas obras; admiro quase todos os surrealistas, em particular Magritte, e os filmes de Lynch, Jodorowsky e Švankmajer. Minhas buscas, porém, nunca têm fim, e mergulhando cada vez mais profundamente vim a descobrir sobre a existência de um singular produto – o autoproclamado “emulador de sonhos” “LSD”.

Este jogo eletrônico (utilizo o termo “very loosely”, como dizem os ingleses) lançado para o PlayStation em 1998 foi desenvolvido pelo excêntrico artista multimídia Osamu Sato. Foi levemente inspirado num diário de sonhos mantido por uma das designers do jogo – termo utilizado “very loosely” novamente – que vem como brinde sob o título “Lovely Sweet Dream”, ricamente ilustrado por diferentes artistas e fotógrafos. Por que reluto em chamar o “Dream Emulator” de jogo? Respondo: classifica-se mais como um experimento interativo.

O “jogo” não possui um enredo, ou fases, ou metas: numa perspectiva em primeira pessoa, o jogador explora diversos mundos oníricos – um chalé, uma cidade japonesa, um castelo de contos de fadas, um verdejante prado, uma paisagem urbana de aparência ameaçadora, entre vários outros – e interage com seus arredores. Tais interações transportam o jogador a outro sonho, e assim sucessivamente; com o passar do tempo, os gráficos ficam cada vez mais distorcidos, e vários personagens estranhos passam a coexistir com o jogador, indo desde cabeças flutuantes gigantescas a um enigmático homem vestido de cinza a segui-lo. Às vezes, em determinados dias, o jogador é surpreendido por breves clipes de pouco menos de 30 segundos – outras vezes, por letreiros contendo as descrições de algum sonho. Ao cabo de 365 dias, após um clipe especial, o “jogo” reinicia.

Tenho absoluta certeza de que jogadores mais tradicionais achariam o “Dream Emulator” deveras entediante; como jogo, ele não tem muita coisa a oferecer. Entretanto, se o considerarmos de fato como um experimento interativo (como vim a mencionar acima), é uma obra de arte fascinante que cumpre muito bem seu papel de simular sonhos. Os gráficos primitivos do PlayStation acrescentam ainda mais à atmosfera irreal, dando inclusive um certo charme nostálgico ao todo. É importante também destacar a trilha sonora, composta por mais de 400 faixas com diferentes variações: nunca se sabe se a próxima música causará relaxamento ou extrema aversão. Se tentasse descrever em detalhes, perderia o fator surpresa – deixo, portanto, ao leitor averiguar por conta própria e compartilhar suas impressões desta experiência auditiva fantástica posteriormente.

O nicho extremamente limitado ao qual o “Dream Emulator” agradaria explica o fato de nunca ter sido lançado em formato físico fora do Japão – este singular país sempre na vanguarda de todas as coisas. Se dependesse unicamente de minha opinião, proclamo que pelo menos uma vez na vida os entusiastas de jogos eletrônicos (e/ou de arte surrealista) dessem uma chance ao LSD – a este LSD, não à droga ilícita! –, seja por sua raridade, seu teor tão diferenciado ou pela ânsia de alimentar elucubrações filosóficas.

Numa exortação final, reflitamos com Poe:

“Is all that we see or seem

But a dream within a dream?”

(São Carlos, 29 de julho de 2021)

Galaktion Eshmakishvili
Enviado por Galaktion Eshmakishvili em 15/04/2015
Reeditado em 29/07/2021
Código do texto: T5207922
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