DISCURSOS E VOZES NARRATIVAS: UMA ANÁLISE DO CONTO “O MONSTRO MONSTRUOSO DA CAVERNA CAVERNOSA"

Esse conto da Rosana Rios narra a história de um monstro muito simpático que adora sorvete e que não amedronta, uma princesa que não gosta da vida no castelo e um príncipe atrapalhado que não consegue salvar ninguém. Esses personagens juntos resultam num conto de fadas às avessas. Além destas inversões divertidas que ocorre com os personagens, os diálogos e as situações são bem elaboradas.

No conto percebe-se a falta da tradicional marca de oralidade do “Era uma vez...” dos contos de fadas, mas isso não impede uma comunicação próxima e mais direta possível com a criança. Um momento único de transferência da experiência do narrador àqueles que o ouvem de modo a “imprimir na narrativa a marca do narrador, como a mão do oleiro na argila do vaso.” (BENJAMIN, 1985, p.44).

Segundo as autoras Maria José Palo e Maria Rosa Oliveira do texto “Discursos e Vozes Narrativas”, ao discurso oral permitem-se a redundância, os desvios das normas linguísticas, a informalidade das expressões populares – gírias e trocadilhos. No conto, observa-se várias passagens nas falas das personagens expressões coloquiais como “— Ué, onde ele foi?” e “Ora bolas, devorar princesas!” (RIOS, 2004, p. 8). Percebe-se também a criação de novas palavras como em “A única vez que experimentei carne de princesa foi na casa da Vovó Monstrona.” (RIOS, 2004, p. 16).

Por se tratar de um texto infantil com elementos mágicos típicos dos contos de fadas como os príncipes, princesas e monstros, não há uma distância entre quem narra, o que narra e quem lê. De acordo com PALO e OLIVEIRA, “esse momento de sintonia é o que buscam os textos de literatura infantil de modo a construir uma cena inclusiva a pelo menos três vozes – Narrador, Mensagem e Receptor – que integram simultaneamente num intercâmbio de experiências contínuas em reciclagem.” O trabalho com a mudança de papéis e funções das personagens é o diferencial que aproxima o narrador e o leitor.

Conforme PALO e OLIVEIRA, “o discurso narrativo usa a proximidade entre a fala da personagem e a linguagem infantil como estratégia para capturar o leitor-criança.” Facilmente perceptível no conto de Rosana Rios em “— Oba! Lá vem o Sorveteiro!” (RIOS, 2004, p. 4).

Outra marca de oralidade tipicamente conhecida nos contos de fadas é o famoso “E viveram felizes para sempre...”, mas nesse conto é bem diferente. “Felizes para sempre! Nem tanto. Às vezes o Príncipe e a Princesa brigam, como todo mundo.”(RIOS, 2004, p. 29-30). Há uma quebra de expectativa porque todos esperam por isso. O texto traz uma mensagem importante que as pessoas devem fazer o que realmente gostam de fazer, sem se importar com que os outros vão pensar.

Nas páginas finais do livro, o narrador convida o leitor a imaginar como seria o fim da história, “Mas isso você mesmo pode imaginar, se quiser.”( RIOS, 2004, p. 29) ou seja, o leitor vai construindo a sequência na narrativa em sua imaginação. No final das contas, tudo ficou resolvido e terminou em sorvetes.

REFERÊNCIAS

BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: experiência e pobreza. Obras escolhidas. São Paulo: Brasiliense, 1996a.

RIOS, ROSANA. O MONSTRO MONSTRUOSO DA CAVERNA CAVERNOSA. Editora DCL - DIFUSÃO CULTURAL DO LIVRO. 2004.

PALO, Maria José, OLIVEIRA, Maria Rosa D. Literatura Infantil: Voz da criança. São Paulo: Ática, 2006

LAJOLO, Marisa, Regina Zilberman. Literatura Infantil Brasileira: História εHistórias. 6ª Ed. São Paulo: Ática, 2007.

Daniel Freitas Galvão
Enviado por Daniel Freitas Galvão em 19/03/2015
Reeditado em 29/03/2015
Código do texto: T5175600
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