Sinopse: Poder, essa realidade escorregadia.
Sinopse: Poder, essa realidade escorregadia.
[...]
“O poder perpassa (nosso) cotidiano e está presente em todos os meandros e momentos da vida social.
Em seu sentido primeiro, etimológico, denotativo, poder é a capacidade, o recurso, a qualidade de se poder fazer ou produzir algo. Quando eu consigo fazer algo, digo que posso, tenho o poder.
Outra acepção de poder é entendê-lo e tomá-lo como relação (i. é) algo que implica necessariamente um outro; para ser, necessita de outro. Sempre que tomo poder como relação assumo, alguma prática em que, por exemplo, eu estou tirando, expropriando, poder (isto é, capacidades, recursos, como no primeiro sentido) de outros, eu estou colocando meu poder (de novo: capacidades, recursos, qualidades) a serviço de outros. Por isso ficaria mais claro se pudéssemos, ao discutir as relações de poder, empregar, junto com o termo poder, outra palavra, como poder dominação, ou poder serviço.
Se formos examinar o que sucede dentro de nosso mundo social misterioso e fascinante, veremos que ele é uma espécie de turbilhão fantástico de choques e contrachoques, enfrentamentos, tensões, uma espécie de arena onde se alinham, se amam, se defrontam e se digladiam, momento a momento, os seres humanos.
Quando falamos em poder dominação, constata-se uma espécie de roubo, de apropriação de um poder (capacidade, recurso) de outro, em proveito próprio ou de outrem. Assim, dominação econômica é a capacidade de trabalho de uma pessoa que é tirada e é colocada a serviço de outra. O mesmo com a dominação política que pode ocorrer, por exemplo, quando, numa eleição representativa, os eleitores delegam seu poder àqueles que, em seu nome, vão gerir e governar. Se o eleito enganou o eleitorado para receber seu voto, ou extrapola os limites dentro dos quais a representação lhe foi concedida, ele estará exercendo dominação política. Do mesmo modo a dominação religiosa, quando líderes religiosos se intitulam representantes de um poder superior e passam a dominar as consciências das pessoas, quando não as forçam até mesmo a uma expropriação econômica. A dominação religiosa acontece quando as pessoas são mantidas na ignorância, fanatizadas e impossibilitadas de aprofundar sua dimensão transcendente.
Essa relação de dominação, de expropriação de poderes, pode se dar de maneira indireta: primeiro eu caracterizo determinadas pessoas ou grupos, como portadores de tais e tais qualidades, ou crio estereótipos específicos que vão me possibilitar, num segundo passo, uma expropriação econômica, política, religiosa ou de qualquer outro tipo. Exemplo: caracterizo as mulheres como sendo frágeis, mais motivadas por razões afetivas do que executivas a fim de conseguir que, mesmo em nossos dias, passem a receber apenas 70% do que recebem os homens. Outro exemplo: caracterizam-se os negros como festeiros, amantes da música e da dança e com isso sua paga fica, em média, 60% do que se paga aos brancos.
As relações de poder não são sempre e necessariamente negativas. Eu posso colocar minha capacidade, meus recursos, meu poder a serviço de outros. Chamamos esta relação de poder serviço.
As relações que se dão entre os seres ou grupos humanos, se institucionalizam e se tornam relativamente estáveis, assumem certa estrutura. Se essas relações eram, suponhamos, de dominação, elas também se instituem como sendo de dominação. Mas há também aquelas que se instituíram a partir de relações de poder serviço.
Paulo Freire dizia: não se ensina nada a ninguém, deixa-se com a pessoa com quem se entra em contato “uma porção de nós mesmos”. Essa porção são as relações que estabelecemos. É o tipo de relação que estabeleço que liberta, ou escraviza, dependendo de ser essa relação libertadora ou de dominação”.
[...]
Guareschi, Pedrinho; in Psicologia Social Crítica como prática de libertação; 5ª edição, EDIPUCRS, 2012, Porto Alegre. Páginas 90 – 96.
Sinopse: Poder, essa realidade escorregadia.
[...]
“O poder perpassa (nosso) cotidiano e está presente em todos os meandros e momentos da vida social.
Em seu sentido primeiro, etimológico, denotativo, poder é a capacidade, o recurso, a qualidade de se poder fazer ou produzir algo. Quando eu consigo fazer algo, digo que posso, tenho o poder.
Outra acepção de poder é entendê-lo e tomá-lo como relação (i. é) algo que implica necessariamente um outro; para ser, necessita de outro. Sempre que tomo poder como relação assumo, alguma prática em que, por exemplo, eu estou tirando, expropriando, poder (isto é, capacidades, recursos, como no primeiro sentido) de outros, eu estou colocando meu poder (de novo: capacidades, recursos, qualidades) a serviço de outros. Por isso ficaria mais claro se pudéssemos, ao discutir as relações de poder, empregar, junto com o termo poder, outra palavra, como poder dominação, ou poder serviço.
Se formos examinar o que sucede dentro de nosso mundo social misterioso e fascinante, veremos que ele é uma espécie de turbilhão fantástico de choques e contrachoques, enfrentamentos, tensões, uma espécie de arena onde se alinham, se amam, se defrontam e se digladiam, momento a momento, os seres humanos.
Quando falamos em poder dominação, constata-se uma espécie de roubo, de apropriação de um poder (capacidade, recurso) de outro, em proveito próprio ou de outrem. Assim, dominação econômica é a capacidade de trabalho de uma pessoa que é tirada e é colocada a serviço de outra. O mesmo com a dominação política que pode ocorrer, por exemplo, quando, numa eleição representativa, os eleitores delegam seu poder àqueles que, em seu nome, vão gerir e governar. Se o eleito enganou o eleitorado para receber seu voto, ou extrapola os limites dentro dos quais a representação lhe foi concedida, ele estará exercendo dominação política. Do mesmo modo a dominação religiosa, quando líderes religiosos se intitulam representantes de um poder superior e passam a dominar as consciências das pessoas, quando não as forçam até mesmo a uma expropriação econômica. A dominação religiosa acontece quando as pessoas são mantidas na ignorância, fanatizadas e impossibilitadas de aprofundar sua dimensão transcendente.
Essa relação de dominação, de expropriação de poderes, pode se dar de maneira indireta: primeiro eu caracterizo determinadas pessoas ou grupos, como portadores de tais e tais qualidades, ou crio estereótipos específicos que vão me possibilitar, num segundo passo, uma expropriação econômica, política, religiosa ou de qualquer outro tipo. Exemplo: caracterizo as mulheres como sendo frágeis, mais motivadas por razões afetivas do que executivas a fim de conseguir que, mesmo em nossos dias, passem a receber apenas 70% do que recebem os homens. Outro exemplo: caracterizam-se os negros como festeiros, amantes da música e da dança e com isso sua paga fica, em média, 60% do que se paga aos brancos.
As relações de poder não são sempre e necessariamente negativas. Eu posso colocar minha capacidade, meus recursos, meu poder a serviço de outros. Chamamos esta relação de poder serviço.
As relações que se dão entre os seres ou grupos humanos, se institucionalizam e se tornam relativamente estáveis, assumem certa estrutura. Se essas relações eram, suponhamos, de dominação, elas também se instituem como sendo de dominação. Mas há também aquelas que se instituíram a partir de relações de poder serviço.
Paulo Freire dizia: não se ensina nada a ninguém, deixa-se com a pessoa com quem se entra em contato “uma porção de nós mesmos”. Essa porção são as relações que estabelecemos. É o tipo de relação que estabeleço que liberta, ou escraviza, dependendo de ser essa relação libertadora ou de dominação”.
[...]
Guareschi, Pedrinho; in Psicologia Social Crítica como prática de libertação; 5ª edição, EDIPUCRS, 2012, Porto Alegre. Páginas 90 – 96.