JE SUIS CHARLIE - ORAÇÃO DE VOLTAIRE - TRAITÉ SUR LA TOLERANCE


Recebi uma mensagem de meu irmão mais novo. Ele escreve:
“Gostaria de pedir - visto que todos os povos, cada um a seu jeito, acreditam em um Deus, - que parassem um minuto o que se estão fazendo e atentassem ao que está acontecendo: O mundo está perigosamente caminhando para a intolerância” (...)

Entre outras considerações, mais confidenciais; aderi à esteira de seu pensamento; mas em termo de exposição, isenta de confrontação com os acontecimentos que assolam o mundo sob o capuz de vários dogmas, matizes bandeiras e uniformes camuflados, que disparam aleatoriamente suas metralhadoras e fuzis, sob lemas difusos ou claramente radicais.

Ele me fez a pergunta direta : - Não sei se você já leu Voltaire "Traité sur la Tolérance"; principalmente no capítulo XXIII "Prière à Dieu"?
- Sim já li, primeiro obrigatoriamente nas aulas de Littérature Française, depois por puro interesse...

Embora o que mais chame a atenção no momento são os fatos do jornal e revista Charlie Ebdo, na Franca, resultante no mundial “Je suis Charlie” não estou pisando no tapete vermelho dos fatos elegidos, nem escolhendo as cores do manto que reveste a Terra neste emblemático momento do "Je suis Charlie"; apenas, - como meu mano diz - peço que reflitam...

Voltemos ao ano 1762, recordemos as barbáries cometidas, leiamos a prece de Voltaire muito atentamente e depois formemos um juízo com base e crédito no que foi dito. Lembrando-nos que Voltaire, foi um contestador do estado de coisas: teológicas, sociais e políticas de seu tempo, para cuja coragem, ainda não nos detemos o suficiente para avaliar. Visto que, o suplício na roda de tortura, a fogueira, a decapitação, a forca eram usadas no ato da prisão. Julgamentos além de forjados eram um luxo e uma cortina de fumaça para as posteriores execuções. E esse ritual era aplicado às coisas de somenos importância: furto de uma maçã, um pão, desejo pela mulher casada com alguém, imputações falsas de heresia, conversão à outra seita contrária, banalidades e barbaridades absurdas, às claras e às escondidas.

Carecia e de muita coragem, para estar sempre às portas de uma armadilha forjada e tramada atrás dos muros dos castelos e paredes dos palácios e da Igreja. Os Intolerantes mudam apenas nomes e vestes no tabuleiro da História.

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Um entrevistado no palco dos fatos, na Rua do Charlie Ebdo, moderno compatriota de Voltaire, com o cenário de fundo de milhares de pessoas em protesto, com velas, lápis e canetas nas mãos e os cartazes negros “Je suis Charlie”, ele diz: “A cultura francesa desaparecerá, a França não é e não será a mesma; como vemos, o seu próprio lema a destruirá. O que restará depois disto?” – palavras de um cidadão francês.
Na mesma reportagem entrevistaram uma brasileira residente há mais de 20 anos em Paris, que mora a uma quadra do Charlie Ebdo, palco do ataque terrorista, que disse: “Eu vi tudo de minha janela, como todo brasileiro sou curiosa, não pensei no perigo, queria ver o que estava acontecendo... em seguida, a outra pergunta da repórter, diz: Acho que daqui a uns dias, três ou mais, talvez uns quinze, tudo estará acabado, esquecido e tudo voltará ao normal.“ – Palavras de uma cidadã brasileira... Quem ou qual visão social, cultural e de politização está mais coerente e conexa com a grave e imensa complexidade de convivência social deste planeta mundanizado? Que distanciamento quilométrico de entendimento histórico-cultural, separam estas duas pessoas? Isso pode parecer nada, mas é um fator complicador no entendimento global e no andar da História entre as raças, (eles não são únicos, um só indivíduo, são milhões que pensam assim como a entrevistada) quando as emigrações, como foi para a França e a Inglaterra se voltarem, por exemplo, para o Brasil, temos noção da extensão das dificuldades de acomodação e convivência?

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No fim, quando "a discórdia é o grande mal do gênero humano e a tolerância o seu único remédio", quando este realismo pode mesmo assim ser animado pelo desejo utópico da fraternidade, Voltaire faz da tolerância um projeto universal.
Diz então que "não é preciso grande arte, eloquência muito rebuscada, para provar que ‘diferentes cristãos’ devem tolerar-se uns aos outros”. Que se dirá de outras visões transcendentais, místicas, ritualísticas e religiosas. “Mas vou mais longe: digo-vos que é preciso olhar para todos os homens como irmãos”.
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Aqui abro um adendo na linha semântica textual para perguntar: - Mas Cristo já não disse isso reiteradas vezes para aquele povo? E a oração de exortação: “O lamento sobre Jerusalém”, feita por Jesus [Mateus 23: 37] e demais todas as suas orações, incluindo o Pai Nosso?

Outros assombros e perguntas: - O quê!? Um turco, meu irmão? Um paquistanês? Um norte-coreano? Aquele chinês, meu irmão? O judeu? O ucraniano-russo? E que acham de um norte-americano aceitar tudo isso? Desde Lincoln a Martin Luther King : “Eu tenho um sonho”; os negros e brancos norte-americanos não acordaram ainda. E milhares de milhares de pessoas, de peles de todos os matizes nunca mais acordarão desse sonho.

A tolerância, que nunca soou com significado tão utópico; deve e precisa ser; inalienável para a vida e que seja o apanágio da humanidade; crendo ou não nos Profetas das Escrituras Cristãs e no que João disse em seu derradeiro livro bíblico.

Caso contrário crendo em um Deus ou não, tenha o nome que os povos derem; não vai interessar nada mais. A intolerância e o radicalismo, a quem nem filho, mulher, desconhecidos inocentes, crianças, pouco lhes importam... Nem sua própria vida que a tratam menos que nada... Que se há de esperar?

Em 1762, Voltaire faz observações, medita, racionaliza e ora pelo massacre de 4.000 huguenotes – MOTIVO? INTOLERÂNCIA. E o genocídio ocorreu entre cristãos.
O tempo para o ocidental é um; quando em lazer e conforto, férias com dinheiro, é até muito breve. Para o oriental fundamentalista e radical das terras áridas, o tempo é outro, é de séculos. Calor, deserto, tempestades de areia, fome, sede, morte; para eles nada dizem os milênios tampouco. Uma vida que significa? Não lhes saiu ainda da cabeça as Guerras Santas... Vamos parar e pensar...

Voltaire, este pensador que Victor Hugo dizia ser um “jato contínuo de lucidez”, não economiza nos elogios que faz ao bom senso que a filosofia traz, possibilitando-nos transcender as estreitezas em que nos encerram os fanatismos dogmáticos e as intolerâncias homicidas.
“A filosofia desarmou mãos que a superstição por muito tempo havia ensanguentado; e o espírito humano, ao despertar de sua embriaguez, espantou-se com os excessos a que o fanatismo o havia levado…” (pg. 24)

Ao que parece, ao raiar deste ano que chamamos de 2015 depois de Cristo, o “espírito humano” não cessa de recair na embriaguez do fanatismo e da intolerância – quantos continuam sendo os mortos em Faixa de Gaza, quantos no Afeganistão, Cisjordânia, na Palestina, Síria e no Iraque? Alguém por aí conseguiu não perder a conta? E os atuais ataques terroristas, amplamente divulgados?...

Enquanto isso, Voltaire com a sua filosofia, não cessava de se espantar com os excessos do fanatismo – com aquela filosofia que se esquiva do dogmatismo e procura atingir a liberdade do pensar ao invés de ser mera “defesa manhosa de preconceitos batizados de verdades.”

Voltaire é entusiasmante de ler, pois filosofa de maneira espontânea tendo a força transformadora que não se impõe, se aceita por pura assimilação de algo que nos é explicitado da gravidade descuidada para o consequencial.

Voltaire escreve seu Tratado Sobre a Tolerância sob o impacto de um acontecimento que ele testemunhou em Toulouse. Nesta cidade francesa, pelos idos de 1762, continua-se a celebrar anualmente uma festa que Voltaire considera execrável: “festa cruel, festa que deveria ser abolida para sempre, na qual um povo inteiro agradece a Deus em procissão e felicita-se por ter massacrado, há duzentos anos, quatro mil de seus concidadãos” (pg. 62).

Duzentos anos antes, em 1562, os reis católicos franceses e as massas por eles manobradas haviam massacrado os protestantes pela França afora. A História jamais pôde esquecer a sanguinolência do Massacre da Noite de São Bartolomeu, “da qual não havia nenhum exemplo nos anais do crime” (pg. 22), quando Paris foi palco de uma colossal matança dos protestantes “huguenotes” – como narrado por Alexandre Dumas em A Rainha Margot (romance já adaptado para o cinema com maestria por Patrice Chéreau). Aponta-se que o número total de pessoas mortas pelos católicos no genocídio dos huguenotes de 1562 esteja entre 30 e 100 mil mortos.

Introduction à la "Prière à Dieu" – Voltaire

Prière à Dieu: Traité sur la tolérance de Voltaire, «se il vous plaît Dieu»
N'a pas besoin de beaucoup de mots pour votre présentation. Sa prière qui parle de tolérance et de ses nombreux aspects est un résumé de sa propre pensée. Ce est le rôle de la prière, de laisser les émotions particulières utilisent la raison, le résultat de la méditation longtemps étudié, en pleine maturité. Le courage de la confrontation, de la justice, de la douleur humaine ne est pas contenue derrière et sous les robes et les positions. Les cris jetés dans l'air, sont encore historiquement les plus faibles, les plus humbles et les plus défavorisés. La différence dans le monde d'aujourd'hui est l'oppresseur sans visage. Peu importe la classe sociale des victimes et des morts. Tout est aléatoire et terrible. Les enfants, les personnes âgées, les malades des hôpitaux, des étrangers; ne importe qui peut perdre sa vie pour aucune raison et sans savoir pourquoi et d'où il vient sa mort.
(M.M.S.)
 
Introdução à "Prece a Deus" - Voltaire - [Versão]

Oração a Deus: Tratado sobre a tolerância de Voltaire. "Agradar a Deus" 
Não precisam  muitas palavras para a sua apresentação. Sua oração, que fala de tolerância e de seus muitos aspectos é um resumo de seu próprio pensamento. É o papel da oração. Deixe as emoções particulares use a razão, o fruto da meditação longa estudada, plenamente amadurecida . A coragem do enfrentamento, a justiça, a dor humana não está contido por trás e sob vestes e posições. Os gritos lançados no ar, ainda são historicamente dos mais fracos, mais humildes e desfavorecidos. A diferença no mundo de hoje é o opressor sem rosto. Não importa a classe social das vítimas e dos mortos. Tudo é aleatório e terrível. Crianças, idosos, pacientes de hospitais, pessoas estranhas; qualquer pessoa pode perder a sua vida sem razão e sem saber o porquê e de onde vem a sua morte.


PRIÈ À DIEU - VOLTAIRE

Ce n’est donc plus aux hommes que je m’adresse ; c’est à toi, Dieu de tous les êtres, de tous les mondes et de tous les temps : s’il est permis à de faibles créatures perdues dans l’immensité, et imperceptibles au reste de l’univers, d’oser te demander quelque chose, à toi qui a tout donné, à toi dont les décrets sont immuables comme éternels, daigne regarder en pitié les erreurs attachées à notre nature ; que ces erreurs ne fassent point nos calamités. Tu ne nous as point donné un cœur pour nous haïr, et des mains pour nous égorger ; fais que nous nous aidions mutuellement à supporter le fardeau d’une vie pénible et passagère ; que les petites différences entre les vêtements qui couvrent nos débiles corps, entre tous nos langages insuffisants, entre tous nos usages ridicules, entre toutes nos lois imparfaites, entre toutes nos opinions insensées, entre toutes nos conditions si disproportionnées à nos yeux, et si égales devant toi ; que toutes ces petites nuances qui distinguent les atomes appelés hommes ne soient pas des signaux de haine et de persécution ; que ceux qui allument des cierges en plein midi pour te célébrer supporte ceux qui se contentent de la lumière de ton soleil ; que ceux qui couvrent leur robe d’une toile blanche pour dire qu’il faut t’aimer ne détestent pas ceux qui disent la même chose sous un manteau de laine noire ; qu’il soit égal de t’adorer dans un jargon formé d’une ancienne langue, ou dans un jargon plus nouveau ; que ceux dont l’habit est teint en rouge ou en violet, qui dominent sur une petite parcelle d’un petit tas de boue de ce monde, et qui possèdent quelques fragments arrondis d’un certain métal, jouissent sans orgueil de ce qu’ils appellent grandeur et richesse, et que les autres les voient sans envie : car tu sais qu’il n’y a dans ces vanités ni envier, ni de quoi s’enorgueillir.
Puissent tous les hommes se souvenir qu’ils sont frères ! Qu’ils aient en horreur la tyrannie exercée sur les âmes, comme ils ont en exécration le brigandage qui ravit par la force le fruit du travail et de l’industrie paisible ! Si les fléaux de la guerre sont inévitables, ne nous haïssons pas, ne nous déchirons pas les uns les autres dans le sein de la paix, et employons l’instant de notre existence à bénir également en mille langages divers, depuis Siam jusqu'à la Californie, ta bonté qui nous a donné cet instant.

Voltaire,
Traité sur la tolérance, Chapitre XXIII -
Oração a Deus - Versão


Portanto, não é aos homens que eu falo; é a ti, ó Deus de todos os seres, de todos os mundos e de todos os tempos: se é permitida a criaturas fracas perdidas na imensidão e imperceptíveis para o resto do universo, de ousar lhe pedir algo, tu que deste tudo, para ti cujos decretos são imutáveis como eternos, digne-se a olhar com pena os erros ligados a nossa natureza; que esses erros não façam nossas calamidades. Tu não nos deste um coração para nos odiar, e as mãos para nos degolar; façais com que nos ajudemos uns aos outros a suportar o fardo de uma vida penosa e transitória; que pequenas diferenças nas vestimentas que cubram nossos corpos débeis, entre todas as nossas línguas insuficientes, entre todos os nossos costumes ridículos, entre todas as nossas leis imperfeitas, entre todas nossas opiniões insensatas, entre todos os nossas condições tão desproporcionais aos nossos olhos, e tão iguais diante de ti; todas essas pequenas nuances que distinguem os átomos chamados homens não sejam de sinais de ódio e perseguição; que aqueles que acendem velas ao meio-dia para te celebrar suportem aqueles que se contentam com a luz do teu sol; aqueles que cobrem suas roupas de baixo com uma capa branca para dizer que é preciso te amar, não detestem aqueles que dizem a mesma coisa em um casaco de lã preto; é igual adorá-lo em um dialeto formado a partir de uma língua antiga ou um novo dialeto; que aqueles cujo traje é tingido de vermelho ou roxo, que dominam uma pequena parcela de uma pequena pilha de lama deste mundo, e que possuam alguns fragmentos arredondados de um determinado metal, desfrutar sem orgulho do que eles chamam de grandeza e riqueza, e que os outros os vejam sem inveja, porque tu sabes que não há nessas vaidades nem inveja, nem do que se orgulhar.
Podendo todos os homens se lembrar de que eles são irmãos! Que tenham horror à tirania sobre as almas, como tem execrado o banditismo que destrói pela força o fruto do trabalho e da indústria pacífica! Se os flagelos da guerra são inevitáveis, não nos odiemos, não nos dilaceremos uns aos outros no seio da paz, e empregar o momento de nossa existência para abençoar também em mil línguas diferentes, desde o Sião até a Califórnia, tua bondade nos concedeu esse instante.

 
Mauro Martins Santos
Enviado por Mauro Martins Santos em 17/01/2015
Reeditado em 18/01/2015
Código do texto: T5105276
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