Filme: “MALÉVOLA” (Cinema e Psicanálise )
Cinema e Psicanálise
• Sinopse do Filme analisado: “MALÉVOLA”
Baseado no conto da “Bela Adormecida”, o filme conta a história de Malévola (Angelina Jolie), a protetora do reino dos Moors. Desde pequena, esta garota com chifres e asas mantém a paz entre dois reinos diferentes, até se apaixonar pelo garoto Stefan (Sharlto Copley). Os dois iniciam um romance, mas Stefan tem a ambição de se tornar líder do reino vizinho, e abandona Malévola para conquistar seus planos. A garota torna-se uma mulher vingativa e amarga, que decide amaldiçoar a filha recém-nascida de Stefan, Aurora (Elle Fanning). Aos poucos, no entanto, Malévola começa a desenvolver sentimentos de amizade em relação à jovem e pura Aurora. Esses sentimentos e relações dos personagens entre si e consigo mesmos relacionados aos princípios psicanalíticos que será desenvolvido aqui.
• Alguns conceitos psicanalíticos relacionados ao filme:
A teoria psicanalítica, segundo Freud, estabelece que os conflitos fazem parte do desenvolvimento humano, onde se procura descrever as causas dos fenômenos mentais dentro do conceito de inconsciente em uma teoria da sexualidade, focalizando as pulsões, o desejo, a libido. O psiquismo do ser humano é descrito por Freud em três níveis (consciente, pré-consciente, inconsciente) que influem no aparelho psíquico, composto por três níveis estruturais que compõe a personalidade:
* Id: é a fonte da energia psíquica (libido): pulsões, desejos inconscientes. Ele funciona segundo o princípio do prazer, ou seja, busca sempre o que produz prazer e evita o que é aversivo. O id desconhece juízo, lógica, valores, ética ou moral, é completamente inconsciente.
No filme “MALÉVOLA”, releitura do conto “A Bela Adormecida”, pode-se traçar um perfil psicanalítico da personagem principal, a vilã/heroína, que dá título ao filme, relacionando às influencias do meio (os dois reinos que aparecem como plano de fundo para o desenrolar da história), e suas relações com os outros personagens (os seres fantásticos do reino dos Moors, o rei do Reino vizinho e seus comandados, Stefan, Aurora, o príncipe encantado), iniciando pela sua infância quando esta encontra-se suprema, reinante entre dois mundos (reinos) e tem domínio sobre todas as coisas (mundo da fantasia, o id em si), vivenciando a liberdade de um mundo sem a presença de regras e leis (sem pessoas adultas que representem a ordem, as regras, a realidade, uma vez que Malévola é órfã).
* Superego: É a parte moral da mente humana e representa os valores da sociedade; tem três objetivos: inibir (através de punição ou sentimento de culpa) qualquer impulso contrário às regras e ideais; forçar o ego a se comportar de maneira moral (mesmo que irracional) e conduzir o indivíduo à perfeição - em gestos, pensamentos e palavras. O superego forma-se após o ego, durante o esforço da criança de apreender os valores recebidos dos pais e da sociedade.
No momento em que Malévola conhece Stefan, com quem se identifica e por quem se apaixona e vivencia seus primeiros conflitos, tem-se uma personagem entrando na adolescência que experimenta seus primeiros e significativos contatos com a realidade conflitante, isto é, ambos são órfãos e adolescentes, porém de mundos diferentes, Malévola, uma fada, Stefan um humano, nisso encontra-se o conflito tão bem representado em muitos outros clássicos, como em “Romeu e Julieta”, em “Tristão e Isolda”, “A Bela e a Fera”, “Peri e Ceci”, “A dama e o vagabundo”, isto é, fazem parte de mundos, realidades diferentes. Embora não haja um representante adulto que imponha essa realidade, ambos sabem que não tem futuro seu relacionamento, nisso se impõe a força do superego.
O superego revela-se de forma física quando malévola queima a mão no anel de ferro de Stefan, ao passo que ele rejeita essa influencia do superego retirando de seu dedo e lançando fora o anel que queimara a mão dela.
* Ego: desenvolve-se a partir do id com o objetivo de permitir que seus impulsos sejam eficientes, ou seja, o ego permite o id levando em conta o mundo externo. É o chamado princípio da realidade. Esse princípio introduz a razão, o planejamento e a espera ao comportamento humano. A satisfação das pulsões é retardada até o momento em que a realidade permita satisfazê-las com um máximo de prazer e um mínimo de consequências negativas. A principal função do ego é buscar uma harmonização, inicialmente entre os desejos do id e a realidade e, posteriormente, entre os desejos do id e as exigências do superego.
Assim, reconhecendo suas condições e diferenças, eles decidem vivenciar o sentimento selando-o com “um beijo de amor”, com esse ritual assumido nas cerimônias tradicionais de casamento e nos contos de fadas como o despertar para uma nova fase, harmonizam de forma aceitável os sentimentos, o desejo de ficarem juntos, de um compromisso. O beijo de amor é o que despertará a Bela Aurora da maldição do profundo sono. É o que concretiza o amor e o torna possível. Mas no caso do casal Malévolo e Stefan, não fora da parte dele um beijo de amor verdadeiro, pois este amava de fato a riqueza, a fortuna, o poder, ele era impulsionado pelo desejo de ter, de possuir poder. E por ele seria capaz de até trair sua amada.
A função do ego é tentar harmonizar a ação do id, do mundo exterior e do superego Para isso, pode fazer uso dos mecanismos de defesa. Os principais são:
1 - Identificação: É o processo psíquico por meio do qual um indivíduo assimila um aspecto, uma característica de outro, e se transforma, total ou parcialmente, apresentando-se conforme o modelo desse outro. A personalidade constitui-se e diferencia-se por uma série de identificações.
Pela identificação com os pais ou algum outro elemento adulto, a criança vai formando sua personalidade, mas como nem Malévola e Stefan têm esse fator preponderante, se identificam entre si pelo fato de, apesar de serem de mundos diferentes (ele do mundo dos humanos, ela do mundo das fadas, monstros e todo tipo de seres fantásticos), ambos são crianças, pré-púberes, órfãos, que cresceram sozinhos, tiveram que aprender a ser por conta própria e se identificam na inocência, na amizade e na descoberta da libido.
2 - Projeção: consiste em atribuir a outros as ideias e tendências que o sujeito não pode admitir como suas. Manifesta-se quando o Ego não aceita reconhecer um impulso inaceitável do Id e o atribui a outra pessoa.
É o caso de Stefan desejando conquistar o poder, não apresentava as condições necessárias para consegui-lo (era um ladrão, sem moral, sem princípios e sem coragem). Diante da proposta do rei do reino dos humanos que quem matasse Malévola casaria com a princesa e seria seu sucessor.
Pela defesa do ego denominada projeção, entende-se que Stefan projeta para Malévola sua falha de caráter e a vê como o que se interpõe ele entre e o objeto de seu desejo (o poder, a fortuna), todavia, não tendo coragem de matar Malévola, ele a trai, dopando-a e cortando-lhe as asas. As asas de Malévola (assim como os chifres dela) são a representação física de seu poder sobrenatural, então, ao arrancar-lhe as asas, seria como tomar-lhe o poder que ele de certa forma, admirava e invejava.
Malévola, por sua vez, projeta para Aurora seu impulso de ódio, de vingança pela traição de Stefan, uma vez que ao se casar, se tornar rei e ter uma filha, a filha era a representação concreta e real do desejo de Stefan, a quem ela agora odiava/amava. Projeta para a filha o ódio que sentia pelo pai.
3 - Fixação: congelamento no desenvolvimento, que é impedido de continuar. Uma parte da libido permanece ligada a um determinado estágio do desenvolvimento e não permite que a criança passe completamente para o próximo estágio. A fixação está relacionada com a regressão, uma vez que a probabilidade de uma regressão a um determinado estádio do desenvolvimento aumenta se a pessoa desenvolveu uma fixação nesse estádio.
A traição de Stefan fez com que Malévola regressasse e se fixasse na fase “do beijo de amor” que recebeu dele aos 15 anos e, movida pelas punções de amor e ódio pelo objeto de seu desejo, ela vinga-se de Stefan em sua filha, lançando-lhe a maldição quando aos 15 anos, espetasse o dedo numa agulha de uma roca, dormiria profundamente e só acordaria se recebesse um beijo de amor verdadeiro, isto é, algo, que segundo ela, não existe.
Portanto, sua maldição seria eterna. Pois com um beijo Stefan despertou-a para sua libido, seu desejo pelo sexo oposto, seu desejo de ser mãe, seu suposto amor, mas foi um ledo engano, pois, a seu ver (depois da decepção da traição), amores verdadeiros não existem... Assim, a bela Aurora não despertaria.
4 - Deslocamento: processo pelo qual agressões ou outros impulsos indesejáveis, não podendo ser direcionados à(s) pessoa(s) a que se referem, são direcionadas a terceiros.
... ela vinga-se de Stefan em sua filha - incapacitada de se vingar diretamente de Stefan, uma vez que a carga de seu ódio também revela toda a carga de seu amor ferido, traído, enganado,... ela se vinga em Aurora, a princesinha (inicialmente), ela não ama. E não amando seu superego não expressa nenhum motivo racional para impedi-la de se vingar, e seu ego silencia para deixar aflorar sobremaneira fortemente as pulsões do id. Assim, a vingança se concretiza.
5 - Sublimação: a satisfação de um impulso inaceitável através de um comportamento socialmente aceito. É o mais eficaz dos mecanismos de defesa, na medida em que canaliza os impulsos libidinais para uma postura socialmente útil e aceitável. As defesas bem sucedidas podem colocar-se sob o título de sublimação, expressão que não designa mecanismo específico; vários mecanismos podem usar-se nas defesas bem sucedidas; por exemplo, a transformação da passividade em atividade; o rodeio em volta do assunto, a inversão de certo objetivo no objetivo oposto. O fator comum está em que, sob a influência do ego, a finalidade ou o objeto (ou um e outro) se transforma sem bloquear a descarga adequada.
Apesar de ter deixado extravasar o id vingando-se em Aurora, Malévola não era má, apenas trazia o ego ferido pela traição que a fez perseguir o desejo de vingança daquele que despertou todos esses sentimentos e a fez descobrir seus monstros interiores. No entanto, a menina fada ainda estava lá, em seu inconsciente e se identifica com a menina Aurora, quando a princesinha é afastada de tudo e vai ser protegida e criada por três fadas madrinhas.
Indiretamente, Malévola vai assumindo o papel de sua protetora e vai sublimando seu ódio em amor de mãe por Aurora, arrependendo-se de ter lançado a maldição sobre a menina e protegendo-a, fazendo de tudo para que esta não se concretize. Mas não teve como evitar o inevitável.
Entra em cena o príncipe que beija a Bela Adormecida pela maldição de Malévola, ele a beija e nada acontece. É quando Malévola, inteiramente arrependida de ter lançado a maldição sobre Aurora, a quem ama com amor de mãe, beija-lhe a face e promete nunca abandoná-la (a expressão máxima de amor verdadeiro). A princesa desperta e ajuda Malévola a se salvar do ódio de Stefan que é morto pela vilã, e ambas (‘mãe’ e filha) unem-se e a história toma seu curso, vivendo todos felizes para sempre.
Malévola é a personificação da alma feminina picada pela libido, impulsionada pelo desejo de vingança quando se encontra com o ego ferido, ao mesmo tempo capaz das maiores entregas e sublimações por amor, e principalmente, pelo amor maior nas relações humanas, o amor materno.
O corvo que acompanha Malévola em todas as suas peripécias e às vezes a aconselha e a ajuda no decorrer da história, assim como o grilo falante para Pinóquio, é a personificação do ego da personagem vilã/heroína.