Boo-hoo
Quando eu era adolescente, três ídolos de meu Panteão eram responsáveis por fazer de minha vida mais proveitosa e tolerável: Tim Burton, Jhonen Vasquez e Voltaire. Todos eles foram grandes influências não só para meu senso estético como para meu senso de humor, demonstrando que até mesmo os góticos devem saber rir às vezes. Hoje, porém, é do último que haverei de falar.
Tanto aos 14 anos como hoje aos 28, independente do quão triste esteja, suas músicas sempre me fazem sorrir ou até mesmo gargalhar – seu senso de humor ácido, crítico e por vezes autodepreciativo, misturado com sua sonoridade orquestral por ora brincalhona, por ora emocional, é o ponto principal de sua obra. Quando quer, porém, também sabe escrever letras tristes e introspectivas, geralmente sobre amor e religião; o ápice de sua criatividade e versatilidade pode ser constatado em três de seus álbuns: “Almost human”, no qual religiosidade e a condição humana são os dois principais temas; “Then and again”, que é um álbum muito belo e também muito triste, com letras já não tão cômicas; e “To the bottom of the sea”, um lançamento conceitual de temática náutica que é, de longe, sua obra mais engraçada de se ouvir. Mas opto por falar de um álbum tão bom quanto estes três, e ao qual sempre retorno por ter me ajudado tanto na juventude, por isto dando-me um imenso prazer nostálgico – e ele é o romântico “Boo-hoo”, de 2002; terceiro álbum da carreira do cantor.
Gosto deste álbum por ser um fiel retrato de todas as fases do amor – mesmo as não tão boas. Aparentemente inspirado pelo fim de um dos relacionamentos de Voltaire, vamos passeando pelos estágios de uma paixão, desde um início embasado na eterna idealização de um objeto de desejo, até a gradual ruína da idealização e a tristeza que ela nos traz, o fim do amor e uma promessa/exortação à superação. Devido a experiências pessoais já muito bem conhecidas de meu público, suas letras falam muito a mim, e mesmo quem não tenha passado por um término de relacionamento se deliciará com ele, por ser um dos álbuns mais acessíveis aos novatos à obra de Voltaire.
Ao final, a lição que este grande homem nos deixa em sua discografia é uma que gosto muito de repetir – e viver em meu dia a dia: ante as adversidades de nossa nebulosa condição, é inevitável que choremos – mas por que não nos dar ao luxo de um ocasional gracejo para tornar tudo mais leve?
(São Carlos, 9 de dezembro de 2022)