Perante o caos
Minha pré-adolescência e adolescência foram marcadas por bandas dos anos 80, em particular as de pós-punk e rock gótico – coisa que todos já sabem após ter mencionado tantas e tantas outras vezes. Mas o que muitos não devem saber é como acabei por romper a princípio com este gênero.
A verdade é que quase todas as bandas atuais que tentam imitar este estilo acabam sendo demasiadamente derivativas – copiam suas influências acrescentando pouquíssimo à sua própria imagem, ou são desnecessária e exageradamente melancólicas e de temas líricos limitadíssimos. Cada imitação do Joy Division que tenta sair por aí cantando sua pretensa desilusão com o mundo faz o pobre Ian Curtis rolar em seu túmulo.
Em meio a tanta falta de originalidade, porém, há uma banda relativamente recente que conta entre as únicas (se não como a única, pelo menos nestas terras) a manter-se genuína e autêntica, desenvolvendo um estilo próprio ao mesmo tempo em que cita respeitosamente os clássicos, que é o Pontagulha – tendo lançado seu primeiro álbum, “Perante o caos”, há pouco tempo, e sendo eu amigo de um de seus integrantes, nada mais justo que escutá-lo e dar-lhe minha honesta opinião.
É um dos álbuns mais bonitos que já escutei desde o início desta aziaga década. A harmoniosa mistura de todos os instrumentos (em particular os teclados) replica de maneira perfeita suas aparentes influências, mas também possui seu próprio sabor original, e as letras são deveras emotivas mas sem descambar à pieguice. Destaco particularmente “Noite de Dezembro”, “Ciclos”, “Hoje” e “Tarde Demais” como as melhores, e igualmente destaco (como não poderia deixar de ser) o ótimo cover de “Reaja”, composição de meu amado amigo Marcos Andrada.
Fundindo aquilo que há de melhor nas bandas que tanto amava, “Perante o caos” consegue ser The Cure (em particular o The Cure de “Faith” e “Pornography”), Siouxsie, Sisters of Mercy, Lupercais, Arte no Escuro, New Order, Depeche Mode e, acima de tudo, Pontagulha – para seu primeiríssimo álbum, é um lançamento sólido que haverá de pressagiar muitos mais, assim espero; mas como nem tudo é perfeito, só tenho um único defeito a comunicar, e é ele o fato de não ter sido lançado há mais de 10 anos para que o conhecesse na tenra idade de 14–15 anos, marcando minha vida como os clássicos marcaram.
(São Carlos, 4 de abril de 2022)