A trilogia “Skylab & Tragtenberg”
Desde que iniciei minha série de ensaios crítico-autobiográficos para o meu entretenimento e o de qualquer leitor que porventura os ache instrutivos, quis dedicar um deles a um de meus cantores preferidos – cuja minha predileção, inclusive, é conhecida por todos os meus amigos íntimos: Rogério Skylab.
Hesitei até o presente momento por não saber onde começar; afinal, a discografia de Skylab é extensíssima, e escolher um álbum dentre tantos não seria fazer jus à sua obra. Felizmente, Skylab é obcecado por ciclos, e cada um de seus álbuns (salvo raríssimas exceções) pertence a uma série com um tema em comum – no entanto, mesmo sendo diferentes, cada série se complementa com a outra, e se fosse falar de uma, inevitavelmente teria que falar das demais. Skylab flutuou entre o rock e a MPB na decalogia “Skylab” (1999–2011), na “Trilogia dos Carnavais” (2012–2015), na “Trilogia do Cu” (2018–2019) e na atual “Trilogia do Cosmos”, desde 2020 em andamento. Em grau variável, a escatologia rabelaisiana pela qual é conhecido permeia todo o seu trabalho – mas em particular prefiro suas canções mais filosóficas e existencialistas. Entretanto, paralelamente a seus ciclos, veio ele a trabalhar numa trilogia colaborativa com outro compositor, Lívio Tragtenberg, e assim resolvi elencá-la dentre as demais pelo motivo de que a combinação desta dupla produziu três álbuns deveras intrigantes.
Muitas das letras de Skylab focam no lado negro da mente humana, e a música atmosférica e minimalista de Tragtenberg complementa tais temas líricos não muito palatáveis aos ouvidos incautos – causando sensações inquietantes e estranhas. Vide, por exemplo, o cover do hino do Fluminense no primeiro volume da trilogia, tornado numa marcha fúnebre; a sequência de um dos maiores sucessos de Skylab, “Matador de Passarinho”, no segundo volume, que demonstra o desgosto do eu lírico ante ter que continuar repetindo sempre a mesma coisa; a belíssima adaptação do poema de Fernando Pessoa, “As Horas pela Alameda”, também neste mesmo volume; e quaisquer faixas instrumentais espalhadas por todos os três álbuns.
As letras de Skylab e a música de Tragtenberg são almas gêmeas em sua exposição de iconoclastia artística, e causarão ainda mais choque do que seus trabalhos solo – e é por isto que espero ansiosamente que venham a colaborar muito mais vezes no futuro, quem sabe até em outra série de álbuns. Não sei quanto a vocês, mas por mim julgo esta uma parceria mais prolífica do que a de Lennon/McCartney ou Jagger/Richards…
(São Carlos, 18 de novembro de 2021)