Tommy Wiseau e “O quarto”
Um dos grandes mistérios deste nosso século (se não o maior dentre todos) é: quem é Tommy Wiseau?
Esta singularíssima figura, que ninguém sabe de onde veio, impressiona a cultura popular há anos, seja por seu sotaque insólito, suas vestimentas peculiares, sua relutância em compartilhar detalhes de sua vida pessoal ou (o ponto que mais se destaca entre os outros) sua insistência em dirigir e atuar em filmes, mesmo não tendo qualquer aptidão para tal. Entretanto, sua presença continua a atrair fãs cada vez mais entusiasmados e sinceros, ávidos para contemplar em primeira mão seus próximos trabalhos criativos.
Digam o que quiserem do Sr. Wiseau, é inegável que ele tem um certo grau de carisma, e sabe cativar a atenção de sua audiência com seu charme outré – é exatamente sua inépcia em interagir que o torna tão singular ante os olhos do público. Sua insistência em querer fazer filmes mesmo não tendo nenhum know-how é quase que remanescente de Ed Wood, e em ambos os casos, é deveras louvável tal insistência num sonho – mesmo que o resultado final seja ruim, antes entrar para a História com um filme ruim do que com filme nenhum. Pelo menos em meu caso, adoraria que mais pessoas não hesitassem em perseguir seus sonhos, pois o máximo que pode acontecer é elas aprenderem com seus erros e continuarem se aprimorando até que consigam fazer produtos melhores – e há várias outras pessoas que, como eu, apreciam filmes ruins, então teríamos muito material a degustar. Vejam a mim: não dei eu próprio a cara a tapas ao publicar minha noveleta em 2016?
Enfim – não é à toa que o Sr. Wiseau é conhecido por dirigir aquele que é considerado o “‘Cidadão Kane’ dos filmes ruins”, sua “obra-prima” de 2003 “O quarto”. Conquanto Wiseau tente justificar-se que O quarto foi concebido como uma “paródia” de “humor negro”, há vários indícios que provam o contrário, como vê-se no excelente livro de um dos atores do filme, Greg Sestero, “O artista do desastre”; entretanto, deixarei que o leitor faça suas próprias conjecturas.
O enredo, à primeira vista, é algo dentro dos padrões de um filme de drama típico; chega até a ser um chavão. O amigável banqueiro Johnny (interpretado, como não devia deixar de ser, pelo próprio Sr. Wiseau) é manipulado sob os panos por sua ardilosa noiva Lisa, que sem grandes explicações de sua motivação tenta seduzir o melhor amigo de Johnny, Mark. Acrescente a esta história sem nada de especial diálogos incôngruos, personagens que aparecem e desaparecem num passe de mágica, a atuação bizarra e desconectada de qualquer parte deste plano terreno do Sr. Wiseau e a sequência mais peculiarmente encantadora de Johnny e seus amigos jogando futebol americano vestindo paletós, e o resultado é a elucubração mais insana a ser exibida numa tela.
Há quem suspeite que o Sr. Wiseau sofra de problemas mentais (ele próprio já confirmou ter sofrido um acidente de carro e ficado em coma), outros acham que não passa de um charlatão; mas eu creio que ele possui uma certa noção do que está fazendo. Talvez seja ele um gênio da autoparódia, que sabe como chamar a atenção dos outros exatamente sendo estranho. Por mais estranho que seja, ao menos não está fazendo mal a ninguém no processo; em verdade, seu otimismo em face da vida é quase que contagiante, e de uma forma ou outra é um exemplo de superação. Um exemplo deveras distorcido, é verdade, mas ainda o é.
Não nos percamos em especulações sobre o passado do Sr. Wiseau ou sua vida pessoal; apenas apreciemos seus trabalhos (ironicamente ou não), seja por diversão ou mesmo por mera curiosidade, pois podemos nos satisfazer tanto por um quanto por outro, e nos lembremos de uma de suas falas mais bizarramente bonitas de “O quarto”:
“Se as pessoas soubessem como se amar, o mundo seria um lugar melhor de se viver.”
(São Carlos, 6 de setembro de 2021)