Meia-noite em Paris
Se o pessoal do cinema tivesse noção de seu real tamanho perto dos artistas das primeiras décadas do século passado, os filmes seriam diferentes. Não quero levantar a bandeira do passado - embora eu seja um tanto nostálgico -, porque isso é de certo modo negar o presente. A verdade é que tanto no passado quanto no presente há filmes ruins e bons. E o nariz nova-iorquino comprova o valor do agora.
Meia-noite em Paris é uma bela fábula contemporânea, com direito a ‘carruagem’ à meia-noite levando o nosso herói ao fantástico mundo dos seus ídolos. Um conto sobre aquela nostalgia que sentimos daquilo que não vivemos. Na verdade, nostalgia não é o termo mais adequado, porque se trata de uma visita sem dor, e nostalgia pressupõe sofrimento (álgos - algia - é dor e nóstos, retorno). Ulisses padece para voltar à sua terra. No filme, a personagem visita o passado dos ídolos, um passado que conhece pelo que contaram, um passado alheio, narrado.
Allen faz prosa, como ele mesmo já disse. Não há aquela poesia iconográfica; sua narrativa é simples - Hemingway diria honesta. Não extravasa na forma; sua atenção concentra-se no conteúdo, principalmente nos diálogos. Exagerando, afirmo até que é possível ouvir muitos filmes dele, porque o núcleo não está nas imagens. Não é qualquer cineasta que admite essa apreciação radialista. Que coisa mais antiga! Parece até um retorno à primeira metade do século XX.
E nesse último filme, ele foi bastante criativo, não só nos encontros das personagens, mas no desenvolvimento da trama. Tudo bem, a maioria das personagens Allen pegou emprestada e a ideia de se encontrar com os ídolos - Dante o diga - não é tão original (embora a originalidade, como diria Paulo Machado, seja um bem supervalorizado). Mas dar um passo adiante e perceber que a insatisfação que atinge o nariz-protagonista também aflige aqueles que vivem no que ele julga o melhor dos mundos é uma ótima sacada. Ainda mais da maneira como foi elaborada.
Além disso, há o romance que o protagonista escreve, que se interliga à narrativa do filme. Um homem que vive do passado. Os ídolos leem o romance do roteirista e ainda o ajudam a descobrir, por meio de um personagem seu, o que ele mesmo não havia percebido na realidade. Uma visão da ficção ou dos que já não existem que é menos fantasiosa que as pessoas reais.
Porque no fim das contas há uma inversão entre ilusão e realidade: as pessoas que conviviam com o roteirista frustrado, no presente, revelam-se simulacros e os seres fabulosos, do passado, mostram-se verdadeiros.
Uma declaração de amor ao passado cantada - por livre escolha - no presente.
Meia noite. Ouço buzinas lá fora. Esperam-me; nem tive tempo de falar de Paris. Pra não sair sem dizer nada, digo apenas que Paris é uma festa.
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PS. Se eu fosse o roteirista, não seguiria os conselhos literários de certa senhora.
PS1. O passado pode ser um lugar perigoso demais! Como viver sem os remédios que temos hoje?!
PS2. Não curto essa classificação do texto. Trata-se de impressões sobre o filme.
Meia-noite em Paris é uma bela fábula contemporânea, com direito a ‘carruagem’ à meia-noite levando o nosso herói ao fantástico mundo dos seus ídolos. Um conto sobre aquela nostalgia que sentimos daquilo que não vivemos. Na verdade, nostalgia não é o termo mais adequado, porque se trata de uma visita sem dor, e nostalgia pressupõe sofrimento (álgos - algia - é dor e nóstos, retorno). Ulisses padece para voltar à sua terra. No filme, a personagem visita o passado dos ídolos, um passado que conhece pelo que contaram, um passado alheio, narrado.
Allen faz prosa, como ele mesmo já disse. Não há aquela poesia iconográfica; sua narrativa é simples - Hemingway diria honesta. Não extravasa na forma; sua atenção concentra-se no conteúdo, principalmente nos diálogos. Exagerando, afirmo até que é possível ouvir muitos filmes dele, porque o núcleo não está nas imagens. Não é qualquer cineasta que admite essa apreciação radialista. Que coisa mais antiga! Parece até um retorno à primeira metade do século XX.
E nesse último filme, ele foi bastante criativo, não só nos encontros das personagens, mas no desenvolvimento da trama. Tudo bem, a maioria das personagens Allen pegou emprestada e a ideia de se encontrar com os ídolos - Dante o diga - não é tão original (embora a originalidade, como diria Paulo Machado, seja um bem supervalorizado). Mas dar um passo adiante e perceber que a insatisfação que atinge o nariz-protagonista também aflige aqueles que vivem no que ele julga o melhor dos mundos é uma ótima sacada. Ainda mais da maneira como foi elaborada.
Além disso, há o romance que o protagonista escreve, que se interliga à narrativa do filme. Um homem que vive do passado. Os ídolos leem o romance do roteirista e ainda o ajudam a descobrir, por meio de um personagem seu, o que ele mesmo não havia percebido na realidade. Uma visão da ficção ou dos que já não existem que é menos fantasiosa que as pessoas reais.
Porque no fim das contas há uma inversão entre ilusão e realidade: as pessoas que conviviam com o roteirista frustrado, no presente, revelam-se simulacros e os seres fabulosos, do passado, mostram-se verdadeiros.
Uma declaração de amor ao passado cantada - por livre escolha - no presente.
Meia noite. Ouço buzinas lá fora. Esperam-me; nem tive tempo de falar de Paris. Pra não sair sem dizer nada, digo apenas que Paris é uma festa.
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PS. Se eu fosse o roteirista, não seguiria os conselhos literários de certa senhora.
PS1. O passado pode ser um lugar perigoso demais! Como viver sem os remédios que temos hoje?!
PS2. Não curto essa classificação do texto. Trata-se de impressões sobre o filme.