Filme da alma

É com extremo pesar que contemplo minha juventude escoando lentamente a cada ano.

Não digo, porém, que sinto falta de ser jovem em si; o período de minha adolescência pré-pubescente foi um dos mais deploráveis de minha vida. No entanto, algo que reparei é que o conceito de “novidade” vem ficando cada vez mais diáfano, e não só não consigo impressionar-me com o novo como também não acho mais graça em coisas que outrora proporcionavam-me prazer.

Penso em várias bandas que ouvia e livros que lia ad nauseam no passado, até que por algum acaso do destino nos separamos; após muito sacrifício, consegui relembrar-me de seus nomes, e tive minhas alegrias destruídas ao constatar que já não os tinha em tanto apreço. Aprendi a dessensibilizar-me ante grande parte das decepções que sofri na vida, mas esta situação é algo com o qual nunca consegui lidar por alguma razão.

Refiz este experimento incontáveis vezes, sempre obtendo o mesmo deprimente resultado – como diz o ditado, “a Esperança é a última que morre”, por isso mantive-me compelido a continuar tentando. Fico feliz que o tenha feito: depois de perdê-lo por tanto tempo, reencontrei-me com um marcante álbum de meus tempos da juventude, e continua tão agradável a mim agora quanto o era há uma década, que foi quando o descobri.

Parece que foi ontem que deparei-me com “Filme da alma”, este álbum espectral não só em sua aparência (a capa, que ainda hoje posso encarar por horas a fio e imaginar-me em outro tempo e lugar no mundo, em meio àquele céu nublado com o mar ao fundo, dá um ar de mistério ao todo) como por quem o concebeu – uma certa banda de nome Vultos, liderada por Marcos Andrada e que, à época, jamais poderia imaginar que viria a tornar-se um grande amigo num período tão curto de tempo. Não sabia o que esperar ao colocá-lo para ouvir, e fui surpreendido com as composições mais atmosféricas e intimistas que me deleitaram a mente e os ouvidos.

Todas as faixas possuem um viés escapista, sempre discorrendo sobre belas paisagens e momentos passageiros – “Incógnito”, “Ilhas” e a titular “Filme da Alma”, por exemplo, contêm as mais encantadoras descrições de bons sentimentos e dias que trazem-me memórias de algo que nunca vivenciei. Em verdade, “Homem Terminal” por si só comprova que o que importa não só ao meu amigo como a mim é a beleza da arte e da música, e não as vaidades que o mundo nos oferece. Talvez por isto eu tenha gostado tanto de seu álbum, e me identificado com ele – quando jovem, me proporcionava alento, e depois de velho me proporcionou não só memórias felizes de quando meu processo criativo estava em formação e tudo era uma grande novidade como também uma forte amizade com Marcos Andrada.

Às vezes a lei do Eterno Retorno opera de modos intrigantes; não que eu esteja reclamando. (E espero nunca mais perder este álbum de vista novamente.)

(São Carlos, 28 de outubro de 2021)

Galaktion Eshmakishvili
Enviado por Galaktion Eshmakishvili em 16/05/2011
Reeditado em 28/10/2021
Código do texto: T2974256
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