On the eve of the grimly inventive
Sou fascinado pelo conceito do Mal na literatura – desde que li o “Paraíso perdido” pela primeira vez vim a preferir os monólogos carregados de desdém de Satã e seus demônios às idílicas cenas de Adão e Eva no Éden. Desde então, preenchi a imaginação com os suplícios do Inferno de Dante, o ódio contra o Todo professado por Mefistófeles no “Fausto”, os vômitos de Melmoth e Maldoror – coisa que, na idade ainda jovem que tinha (contava eu com 20 anos à época dos fatos que relatarei), não me veio a fazer muito bem.
Naquele tempo, me embebedava constantemente para aliviar as agruras da vida e a única coisa que passava por minha mente era o Mal – foi neste período que vim a escrever vários textos biliosos e de qualidade duvidosa (muitos dos quais felizmente expurguei de meu catálogo), frutos do álcool, privação de sono e da influência daqueles que, sem dúvida, são os bardos da insanidade no meio musical: o conjunto Ebonylake.
Só Deus sabe quantas foram as noites que passei com aquele álbum, aquela sinfonia gravada nas profundezas do Inferno que é o “On the eve of the grimly inventive”, com seus instrumentos cacofônicos que martelam os ouvidos, seus vocais que gelam a alma, as paisagens satânicas tiradas dos mais convulsionantes pesadelos por eles pintadas… As coisas que vi, ninguém devia ver…
Arrependo-me de ter iniciado este ensaio. Julguei ser capaz de revelar aos olhos do público uma negra página, mas enganei-me – que permaneça tal página sepulta em meu peito pela eternidade, pois ninguém mais além de mim pode perscrutá-la!
(São Carlos, 12 de novembro de 2021)