Nada tinha valor.
Quando você percebia, tudo havia desabado. Nada tinha valor. Tudo era idêntico, a mesmíssima coisa. Os dias, monocromáticos, se passavam nem austeros, nem flexíveis; eram suspensos em uma monotonia indiferente. Quando olhava para o céu, não enxergava as nuvens, as gotas, nem os raios; somente formas desiguais, traços irregulares e feixes de luz dispersos em direções invariáveis. Se ia para fora de casa, tudo o incomodava: os resfolegares nas travessias, o canto estridente dos pássaros, o ranger dos metais automobilísticos friccionando entre si. Tudo era um exagero; mas, ao mesmo tempo, após alguns segundos, se desprendia em esquecimento à vista. Suas impressões ímpares sumiam como vinham. Às vezes, sentia vontade de entrar dentro de um tronco, fundir-se à natureza e viver à base do outro. O tempo, outrora um inimigo incombatível, sofria um golpe feroz: a indiferença. Qualquer momento no espaço-tempo era esquecido, e pouco importava a matéria e as lacunas. Seus amores passados não eram recordados, pareciam muito mais um pedacinho de carne já devorado. E, em seguida, a salmonela invadia sua cabeça, vociferando sinfonias harmônicas à deriva da entropia, rodopiando uma cadeia de dós, rés, ou nós em sua cabeça. O que era irônico. Falava sem nenhuma formalidade, sem nenhuma logicidade semântica; e somente isto bastava. Não queria Ser por si, e nem Ser por outros. Enterrava o próprio corpo no Nada, decompondo-se, primeiro, o cérebro, que se restringia a Vácuos. No fim, tudo voltou a seu primor: o Nada. Reforçava-se na angústia e voltava a rir, como um demente, rompendo a barreira que impôs; e propunha para seu crânio uma estadia sem volta na Indeterminação.