Tempos Difíceis

Comigo acontece numa frequência bastante indesejável: amigos respondem mensagens de whatsapp com emojis que tentam reproduzir - desnecessária e rigorosamente - o seu tom de pele. Alguns deles eu não vejo há algum tempo [seja porque no contato presencial vivem com o rosto colado à tela do celular, seja porque nas redes sociais substituíram sua fotografia do perfil por um avatar FF (fofo e feliz)]. Também não é incomum que desvencilhem de assuntos importantes com GIFs que se pretendem engraçadinhas. Estaríamos vivendo uma crise de identidade [holográfica]?

Mas... Vamos lá, tempos modernos... Quem não assimila mudanças corre risco de um desajuste severo, que conspira - segundo estudos - contra a longevidade. E Deus me livre morrer antes dos cento e trinta anos. Ainda que eu não veja sentido em ficar apagando velinhas olhando a felicidade de longe. E felicidade é um assunto bem sério. Sério mesmo (pelo menos para mim é).

Outro dia tava vendo um "youtuber". O canal se chama PROJETO FELICIDADE. Um jovem italiano percorre o mundo entrevistando pessoas, sempre culminando na pergunta: "Pra você, o que é felicidade?". Assisti um episódio sobre a sua incursão numa parte ainda bem rural do Japão. Um octagenário, perguntado, aludiu à invasão da Ucrânia pela Rússia, declarando: "Não consigo imaginar a felicidade sem a paz; portanto felicidade, pra mim, é estar em paz".

Não creio que seja preciso muita ginástica para juntar (no mesmo texto) pessoas que exponenciam sua existência em plataformas virtuais - instagramando, por exemplo, o alho frito que tempera o arroz - e o distanciamento da simples e genuína felicidade. Por que, de fato, muito longe de encontrarmos contentamento em pequenas realizações diárias; muito longe de sentirmos gratidão apenas por abrirmos os olhos todos os dias e nos encontrarmos vivos nesse planeta que gira sobre o seu próprio eixo a nada menos que 1.600 k/h (!), nos percebemos entediados, aborrecidos, vazios... ("Já estou cheio de me sentir vazio..."). Está bem, as gerações mais novas já crescem olhando para as telas. E desconhecem palavras como "encantamento", "deslumbramento" ou "êxtase". Isso sem falar nos tradicionais "bom dia" ou "obrigado". E mesmo entorpecidas com a ilusão das facilidades, acabam percebendo que não têm muito tempo, nesses dias que inegavelmente passam cada vez mais rápido.

Está na cara que esse planeta (teimosamente giratório) sob o viés sustentável, tenta se equilibrar tal qual um jogador de futebol que luta para se manter sobre as duas pernas depois de tomar sucessivos encontrões. Isso é fácil e dolorosamente constatável. Está no ar, e impossível de ser ignorado. Só tem como "dar ruim", para capturar minha pequena dose de eterna juventude nessa expressão que corrompe o ermetismo gramatical. Então... tome aplicativos de "dancinhas", tome "emojis", tome "sofrência", tome "prazeres efêmeros". Tome "barulho insano" para tentar corromper esse silêncio cruel que reverbera (inoportunamente) no eco do nosso vazio. E os mais velhos, que não querem ser ou parecer velhos, vão "comprando" todo tipo de idiotice propagada pelas novas gerações, por que é assim que hoje em dia se compra a juventude. A aceitação ou a garantia de não ser escrachado, desprezado ou esquecido. Emojis que reproduzem nossa cor de pele.

Esse estado de coisas pinta a tela dos tempos modernos: são tempos onde procuramos ignorar a fragilidade do planeta, nossa finitude, nossa ignorância e o compromisso com o que temos capacidade de fazer melhor (mas não fizemos e não fazemos). São tempos de nos escondermos de nossas responsabilidades, e de nos escondermos de nós mesmos, de praticarmos "consumoterapia", de vivermos virtualmente e de preferirmos encontros virtuais em detrimento dos encontros reais. São tempos difíceis.

GEORGES
Enviado por GEORGES em 02/07/2024
Reeditado em 30/07/2024
Código do texto: T8098563
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