A madrugada Devora
No Silêncio da Madrugada nós estamos sozinhos, cansados e pesados demais para dormir
O corpo pede descanso, mas algo inquieto e aflito geme no fundo da mente
Nesse silêncio abissal da noite a dentro, não nos reconhecemos mais
Nossas chagas expostas, toda a vergonha e o medo abertos como feridas que escondemos debaixo da pele
O silêncio é alto como um trovão, um silêncio morno e ensurdecedor
Nosso pensamento aflito e nossa vergonha escancarados e rasgados como uma nudez abjeta e úmida
O espelho da noite mostra o que a luz do dia ofusca
Estamos sozinhos dentro de nós mesmos e só nossa consciência é testemunha de nossas íntimas confissões quando as trevas devoram a Luz do dia
A cama está vazia e estéril como um deserto
O sono não chega e a insônia nos lança nessas ondas intermináveis de delírio e de cansaço
Vegetando como cadáveres boiando num mar de loucura
Nos pegamos falando sós
Um monólogo absurdo e demente no silêncio acusativo da noite
Mas o que fazer? Estamos inexoravelmente sozinhos e o mundo lá fora parece uma massa disforme, pulsando na sua indiferença e no seu abandono sereno
Estamos cansados, angustiados e sem palavras
O verbo se esgotou e apenas olhamos atônitos para um horizonte incerto e enigmático diante de nós
Às vezes eu vejo lágrimas no canto da sua boca, escorrendo como duas linhas prateadas
Eu sinto pena dos seus olhos sem vida, desse olhar profundo e cheio de abismos insondáveis
O seu sorriso esconde tanto desespero e tanta dor!
Ao mesmo tempo há tanta vida sufocada aí dentro, tanto brilho sem sequer uma janela para poder escapar alguma luz...
Há tanta música amordaçada nesse seu silêncio doloroso e encabulado!
Às vezes vejo uma luz tremendo no fundo desse olhar congelado, como um pequeno facho de vela no fundo de um túnel interminável
Mas aí a madrugada vem e morremos novamente
Morre toda a esperança e o pequeno facho de luz se esmorece como um pássaro sem vida
Aqui no lado escuro da lua não nos reconhecemos mais
Somos pobres cometas vagando na imensidão de um universo aterrador
Não passamos de um brilho efêmero, de um vago momento esquecido na memória do tempo
O que é nossa patética tristeza diante do brilho eterno dos astros e de todo esse caos infinito, assustador e sublime?
No entanto sofremos e pedimos a Deus que tenha piedade de nossa triste condição
Aqui estamos, sozinhos, embriagados e humilhados por coisas pequenas
Mendigando um punhado de afeto frio e insosso
Sufocados por nossa própria impotência e fraqueza
São exatamente as coisas mais banais, mais vulgares e mesquinhas que mais nos ferem no fundo de nossa alma
Somos filhos da Lama e somos pobres de espírito. Não adianta lutar contra a vulgaridade se somos em essência vulgares e corruptos por natureza
Tudo que temos é um pouco de poesia para nos distrair dessa imundície
Mas a madrugada também venceu a poesia
A madrugada nos engoliu por inteiro como um pesadelo de carne e sangue
A madrugada eclipsou nossos sonhos
E nossos miolos explodiram como supernovas
A madrugada venceu a vida, venceu o verbo e nos deixou outra vez mudos, sem alento e sem respostas...