A maldição do eterno-retorno

Se o eterno retorno, desse modo, fosse concretizado, do que seria o ser? Por qual motivação dever-se-ia seguir, à risca, todas virtudes, todas diretrizes? Em uma perpetuação do seu eu, em retornos perpétuos, o homem seria Deus. Nada mais teria importância. Imaginemos a seguinte situação: numa concessão de instâncias, sucedendo-se perpetuamente, uma seguida da outra, em que sua existência fosse infindável, sobretudo, consciente. Então, o homem, sentenciado pela vida eterna, tornar-se-ia esmagado, perdido nas possibilidades. O quão devastador seria: acordar toda manhã, ver a perdição em um mundo sistematizado, em que todas resoluções probabilísticas fossem palpáveis, visto que sua consciência fora preservada; além de guardada, cada minucioso detalhe, de todos seus retornos. Diga-me, então, como viveria? À custódia de seu retorno individual, propagando-se toda miséria, consecutivas vezes, no qual toda morte, todo amor, todo conhecimento, todo dinheiro, ter-se-ia uma repetição circular. Sóis, sentir-se-ia sem virtudes, sem aparatos. Veria, a cada vida, inúmeras mortes; outrossim, acabaria por notar o quão indiferente seria a morte, afinal, poder-se-ia voltar, voltar, voltar quando quisesse; bastava findar-se. A vida não teria significado, não teria importância; e a morte? Apenas o prelúdio para o começo. Encontraria-se, todas vezes, reflexivo: "ora, já que temos aqui uma repetição, o que são as pessoas? Por qual motivo não matá-las? Por qual motivo não adulterar? Por qual motivo amar? Por qual razão não destruir todos, consecutivas vezes, agraciado pelo desespero da existência vã?". Devo respondê-lo graciosamente: não seria interessante, uma hora ou outra, seria um peso, um desabar. Tudo, novamente, seria cinza. A natureza não teria beleza; o amor não teria volúpia; os seres não teriam importância, pouco menos valor. Acordaria, meu caro, na agonia, isento de potência. Vagarosamente visualizaria seu desespero. Toda vez que se visse no espelho, não encontraria a si mesmo, sentiria um nó na garganta. No começo, a possibilidade de retornar quantas vezes, quando mais quisesse, soa como um remédio; depois, o vazio tomaria conta; a insignificância, o desespero, junto da miséria, seriam sua maldição. Acumularia todo conhecimento, todos amores, todos sentimentos para, finalmente, ser derrotado. Esmagado. O homem seria Deus, à medida que apreendesse tudo; e seria concomitante babirusso, matando-se com o próprio íntimo. Nada estaria correto, e apenas a derradeira solidão teria valor.

Johannn
Enviado por Johannn em 23/11/2023
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